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Entidades atuam para conter projeto que facilita liberação de agrotóxicos

Pendente de deliberação no Senado, o projeto de lei que facilita a liberação de agrotóxicos e flexibiliza o controle dos produtos, aprovado na Câmara dos Deputados no último dia 9, sofre fortes resistências de entidades e órgãos ligados a saúde e a meio Ambiente. A pressão é para que o tema seja mais debatido nas comissões, na tentativa de reverter o que foi aprovado.

Um diálogo direto entre entidades com os senadores deve ditar o ritmo da tramitação na casa. No Senado, alguns parlamentares apontam para a necessidade de ampla discussão em torno do projeto e o próprio presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já afirmou que a matéria terá tramitação normal, e não de urgência.

Enquanto a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) elabora uma nova nota técnica para alertar os senadores sobre os riscos de flexibilizar a liberação de agrotóxicos, a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), por meio de um grupo de trabalho, enviou nesta semana uma carta destacando que o projeto “permite o registro de produtos mais tóxicos, como aqueles que causam câncer, problemas reprodutivos, distúrbios hormonais e para o nascimento”.

O projeto em questão altera a atual lei sobre agrotóxicos, de 1989, que dispõe sobre a inclusão, reavaliação e fiscalização de agrotóxicos e seus componentes. O texto dá mais poder ao Ministério da Agricultura, enquanto reduz a participação da Anvisa, agência responsável por promover a proteção da saúde da população.

“A Anvisa faz a avaliação de segurança sanitária, dos riscos toxicológicos para a saúde humana das moléculas e tem poder de veto nesse processo, o que é fundamental para a manutenção da saúde da população. Esse PL [projeto de lei] traz a impossibilidade de que a Anvisa vete determinadas moléculas que existem no mercado”, afirma, ao R7, a diretora-geral da Associação dos Servidores da Anvisa, Yandra Torres.

As consequências, segundo Torres, são “absolutamente prejudiciais”, pois o projeto retira dos reguladores a competência de reanalisar substâncias que, a partir de novos estudos, mostram-se nocivas à saúde. “Há vários produtos que entraram antes da Lei 7.802 (atual norma do setor, de 1989) que já foram barrados em outros países e que continuam sendo utilizados nas lavouras. A Anvisa prioriza a reavaliação dessas moléculas, mas este processo não é simples e, atualmente, contamos com cinco técnicos no Brasil que se debruçam sobre o tema”, expõe Torres.

A diretora teme que as novas análises também sejam impactadas, já que a alteração pode flexibilizar requisitos de registros. O pesquisador Luiz Claudio Meirelles, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, compartilha o pensamento. “Enquanto o mundo avança na retirada de produtos nocivos do mercado, no Brasil, estamos recuando. O projeto entrega o poder decisório ao Ministério da Agricultura, que tem um olhar muito mais pelo lado econômico e que não tem todo conhecimento necessário no âmbito sanitário e ambiental”, frisa.

O projeto centraliza no Ministério da Agricultura as tarefas de fiscalização e análise de agrotóxicos. Aos ministérios da Saúde, através da Anvisa, e do Meio Ambiente, por meio do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), caberá apenas a emissão de pareceres, ficando a cargo da Agricultura auditar empresas, avaliar pesquisas e aplicar penalidades. Apenas quando os produtos forem usados em florestas e em ambientes hídricos é que o Ibama terá a competência do registro.

O uso dos agrotóxicos é uma questão de saúde pública e ambiental. Assim, do ponto de vista de política de Estado, tirar daqueles que detêm o conhecimento a capacidade para avaliar esse tipo de produto é um grave erro.

LUIZ CLAUDIO MEIRELLES, FIOCRUZ

 

Para os defensores do projeto, o argumento é que ele moderniza a agricultura ao acelerar a incorporação de novas tecnologias. Isso porque a proposta fixa prazo para a obtenção de registro de agrotóxicos no Brasil em até dois anos e prevê a concessão de registro temporário se o prazo não for cumprido. Atualmente, essa incorporação leva em torno de sete anos para obter um parecer definitivo, em razão da complexidade dos riscos.

Ao defender a proposta, o vice-líder do governo na Câmara, deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES), rebateu o argumento de que a atualização à lei tem potencial de colocar mais veneno na mesa dos brasileiros. “É um discurso meramente de posição ideológica”.

O líder da maioria, deputado Diego Andrade (PSD-MG), disse ser necessário “parar de falar mal da nação que alimenta o mundo com sustentabilidade”. Ambos afirmaram que, ao acelerar a introdução de novas tecnologias, o país ganha em termo de produção, o que contribuiria diretamente para a alimentação do país.

Na avaliação do pesquisador Meirelles, as narrativas dos parlamentares defensores da proposta não são verdadeiras. “Quando se diz que é para acabar com a fome no Brasil… Se olharmos os últimos três anos, houve a aprovação de mais de 1,5 mil agrotóxicos e, no entanto, a fome aumentou. Não existe correlação entre uso de agrotóxico e combate à fome”, pondera.

Sobre o argumento de que as filas para registros atrasam a introdução de novas tecnologias, o pesquisador aponta que os perfis dos produtos pendentes, em sua maioria, não apresentam novidades tecnológicas. “Nessa fila tem mais do mesmo: marcas de produtos já utilizados no mercado. Até porque as empresas têm investido pouco na introdução de registro de novas moléculas”, destaca, completando as introduções de moléculas com baixa toxicidade “sempre tiveram prioridade no registro”.

Mobilizações no Senado

 

Em meio às controvérsias, a tentativa de órgãos e entidades ligadas a saúde e a meio ambiente é alterar a matéria no Senado. Porta-voz de políticas públicas do Greenpeace Brasil, Thais Bannwart acredita que o caminho seja garantir o debate nas comissões. “O que nós precisamos que aconteça é que esse projeto de lei passe, de forma independente, pelas comissões de Meio Ambiente, de Saúde, de Direitos Humanos e que cada uma faça sua avaliação e recomendação pela não aprovação dessa proposta”, afirma.

Presidente da Comissão de Meio Ambiente, o senador Jaques Wagner (PT-BA) defende que haja uma ampla discussão do texto. A avaliação do senador é que o projeto enviado pela Câmara flexibiliza demais a aprovação e controle dos agrotóxicos, fragilizando a legislação.

Líder do bloco parlamentar Podemos/PSDB/PSL, o senador Lasier Martins (Podemos-RS) frisa ser favorável que a matéria passe pelas comissões, por ser “uma matéria muito controvertida”. Líder do Podemos, Álvaro Dias (PR) afirma que o texto é problemático e defende que passe pelas comissões antes de ir ao plenário da Casa.

Por outro lado, o projeto também já é defendido por alguns senadores, como Carlos Fávaro (PSD-MT), que avalia ser necessário que haja mais agilidade para que haja mais alimentos para o país e para os compradores de produtos brasileiros.

Thais Bannwart, do GreenPeace, espera que as ponderações da sociedade civil sejam consideradas. “Esse projeto de lei é muito grave, e está passando sem que tenha havido o devido debate. O Congresso, em razão da pandemia, está de portas fechadas para a sociedade civil e não dialogou, sendo que existe uma resistência muito grande à aprovação”, ressaltou. Há uma petição com 1,9 milhão de assinaturas de pessoas contrárias à matéria, afirma ela.

Na avaliação de Bannwart, não faltam estudos que mostram como a introdução deliberada de agrotóxicos oferece diversos riscos para o meio ambiente e para a saúde humana, como problemas como infertilidade, impotência, aborto, má-formação e câncer.

O projeto, para a ambientalista, vai de encontro à tendência mundial de excluir o uso de produtos do tipo na produção de alimentos e, por isso, os impactos podem ser estendidos, inclusive, à esfera econômica, fazendo com que o Brasil perca mercado de exportação. “Já tivemos um caso de uma rede de supermercados da Suécia que chegou a boicotar produtos brasileiros por causa dos agrotóxicos”, exemplifica.

Tramitação na Câmara

 

O projeto tramitou desde 2002 e passou por diversas comissões na Câmara. O último parecer, do relator Luiz Nishimori (PR-PR), foi de 2018. Depois, outro parecer às emendas de plenário foi protocolado no dia 9 de fevereiro de 2021, data da aprovação do projeto.

Na ocasião, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), pautou a análise de um requerimento de urgência (para que o texto tramitasse com mais celeridade) e iniciou a discussão e votação do projeto logo em seguida. O ato foi questionado por parlamentares contrários à matéria, que pediram que o projeto em si fosse analisado em outra sessão, o que não foi atendido.

 

Por; R7

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