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Hospital indenizará mãe após médico “subir na barriga” durante parto em Cuiabá

A Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça (TJMT) restabeleceu o pagamento de uma pensão vitalícia, desde o nascimento da criança, à mãe de um menor de idade que sofreu violência obstétrica durante o seu parto, no ano de 2006 na clínica Femina, em Cuiabá/MT. O filho da vítima, hoje com 16 anos, é “totalmente dependente dos responsáveis para suas atividades cotidianas”, após nascer com paralisia cerebral, que o deixou tetraplégico e sofrendo convulsões diárias.

Os magistrados da Primeira Câmara de Direito Privado seguiram por unanimidade o voto do desembargador Sebastião Barbosa de Farias, em julgamento ocorrido no último dia 5 de julho. Numa decisão no âmbito de uma ação de cumprimento de sentença – quando não se discute o direito a indenização, já determinada pelo Judiciário, e sim os seus termos -, o pagamento foi estabelecido a partir do trânsito em julgado do processo, ocorrido no ano passado.

Porém, a mãe do menor ingressou com um recurso contra o entendimento, acatado pelos magistrados da Primeira Câmara de Direito Privado após o voto do relator. Sebastião Barbosa de Farias determinou que o pagamento da pensão, vigente até o menor completar 70 anos, deve contar de forma retroativa desde o seu nascimento, ocorrido em março do ano de 2006.

A pensão mensal estabelecida pelo Poder Judiciário Estadual à vítima de violência obstétrica foi de três salários mínimos. “Em pese o entendimento da magistrada que, no cumprimento de sentença, os agravantes só fizeram o requerimento de pagamento de pensão a partir de junho de 2021, e não requereu pagamento de pensões retroativas, tampouco juntou o valor que entendia devido, o fato é que foram levados a cometer o equívoco em face do erro material contido na sentença, pois, indubitavelmente só faltou constar a condenação ao pagamento de pensão, desde o nascimento, na parte dispositiva”, diz trecho do voto do desembargador.

Além do pagamento de pensão vitalícia, determinado por decisão judicial no ano de 2019, as vítimas também receberão R$ 100 mil a título de danos morais (valor que ainda sofrerá correção monetária e juros). O processo que tramita no Poder Judiciário de Mato Grosso revela mais uma triste história de violência obstétrica num hospital brasileiro, com consequências que irão perdurar durante toda a vida de uma família, que aguardava o nascimento do primeiro filho.

Segundo os autos, a vítima tinha 23 anos e estava grávida de um menino. Dias antes do parto, em março de 2006, ela sofreu uma queda, e percebeu que o bebê, ainda em seu ventre, havia “parado de se mexer”.

A gestante se dirigiu à clínica Femina, sendo atendida pelo médico R.B.S.C, que “não se preocupou com a situação, em razão de o exame de ultrassonografia não ter constatado anomalias no bebê”. Após o diagnóstico, a gestante voltou para sua casa, no entanto, a criança continuava a não dar respostas.

Ela retornou à unidade de saúde, e mais uma vez, o profissional de saúde minimizou a situação. “Aduz que após a queda, não sentiu mais os movimentos do bebê, razão pela qual, no dia 09 de março 2006, procurou o Dr. R.B.S.C, que ao examiná-la constatou dilatação e presença de sangue na saída vaginal, o qual teria afirmado se tratar de situação normal”, diz trecho dos autos.

No dia seguinte, a gestante voltou à Femina, já sentindo as contrações do parto. “Se dirigiu ao Hospital Femina no dia 10 de março de 2006, pela madrugada, sentindo fortes contrações; que no início do atendimento, recebeu a informação de que apresentava todas as condições para um parto normal, diante da dilatação total, ocorrendo o nascimento às 11h45min; afirma que não ouviu o choro do bebê, e só soube no período da tarde que houve uma ruptura de artéria pela passagem do feto, o que lhe causou hemorragia. Na ocasião também foi informada que o recém-nascido estava na UTI”, continua.

O que parecia ser um erro médico revelou-se numa sessão de violência obstétrica para a mãe e o bebê, após o depoimento de testemunhas e a realização de uma perícia judicial sobre o caso. O pai da criança, que assistiu o parto, contou à mãe que o médico R.B.S.Ca “subiu em sua barriga para forçar a expulsão do bebê”, que nasceu de parto normal.

A técnica, considerada violência obstétrica, é denominada como “Manobra de Kristeller”. Em juízo, o médico negou ter realizado o procedimento, porém, uma testemunha nos autos, que trabalhava na unidade de saúde particular à época, confirmou que era praxe a utilização da “Manobra de Kristeller” na Femina. “A testemunha, chefe da enfermagem do centro cirúrgico do hospital réu, afirmou em sua oitiva, com tranquilidade, ter o conhecimento do que é a ‘Manobra de Kristeller’, inclusive, demonstrando como é feita por meio de gestos. Referida testemunha acrescentou que tal manobra é constantemente utilizada nos partos realizados no Hospital Femina”, contou a testemunha.

Além da “Manobra de Kristeller”, testemunhas também relataram no processo que houve a utilização de um fórceps durante o parto – um aparelho, semelhante a uma “pinça”, que “arranca” o feto do ventre da mãe -, confirmada, inclusive, pela perícia realizada na vítima. A escalada de erros e de violências submetidas à gestante a ao bebê resultaram na trágica consequência de um bebê que nasce condenado à morte, em vida.

Uma série de problemas de saúde tornaram o recém-nascido dependente dos responsáveis, sem prognósticos otimistas sobre a alteração de seu quadro. “O paciente apresenta tetraparesia espástica, hipotonia axial, com microcefalia, déficit cognitivo grave, contato pobre, não fala, com atraso importante do desenvolvimento neuropsicomotor e crises convulsivas diárias. A criança tem total dependência dos seus responsáveis para realizar todas as suas atividades diárias. Necessita de uma equipe multidisciplinar, com fisioterapia, fonoterapia e terapia ocupacional, a fim de proporcionar uma melhor qualidade de vida”, diz o relatório das condições de saúde atuais do menor.

A decisão de primeira instância do Poder Judiciário Estadual, que estabeleceu a indenização e a pensão, também levou em conta o sofrimento da mãe, que aguardava a chegada do seu primeiro filho, autora do processo. “Do mesmo modo, não se pode negar o sofrimento que todas essas consequências da saúde e do desenvolvimento do seu primeiro filho implicaram no estado emocional e psicológico da autora”, diz. Folha Max

 

 

Por; Folhamax

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