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Menina de 2 anos é a primeira brasileira a receber medicamento para nanismo na Justiça

A mãe Neila Monteiro e o marido Rodrigo, de São Paulo (SP), já eram pais de João Pedro, 7 anos, quando Maria Fernanda, 2 anos, ou Fefe, como carinhosamente é chamada pela família, veio ao mundo. Foi uma gestação tranquila até que, por volta do sétimo mês, os médicos começaram a notar algumas anormalidades nos ultrassons. Fefe foi diagnosticada com acondroplasia, popularmente conhecida como nanismo. E a condição, segundo a mãe, vai muito além da baixa estatura.
 
“Fefe apresenta complicações inerentes ao nanismo. Tem atraso motor devido à hipotonia causada pela compressão medular, inclusive já foi submetida a uma cirurgia de sete horas para correção. Deu seus primeiros passos no dia em que completou 2 anos. Ela ainda não anda com constância, mas se arrisca a tentar e apresenta melhoras a cada dia. Ela também possui atraso na fala, alterações no conduto auditivo, que levam a otites de repetição e, em muitos períodos, a audição é flutuante”, listou a mãe. “Inclusive, temos nova cirurgia marcada para mais essa correção”, completou.
 
No entanto, todos esses tratamentos são paliativos. A esperança de uma melhor qualidade de vida está em um novo medicamento chamado Voxzogo, aprovado pela Anvisa em novembro de 2021. No entanto, o alto custo torna o acesso inviável — o tratamento completo custa cerca de R$ 24 milhões. A família, então, recorreu à Justiça para obter o remédio por meio do SUS — e conseguiu. Maria Fernanda é a primeira brasileira a receber o medicamento via judicialização e iniciou seu tratamento na última semana. “Atualmente, ela está recuperando o tempo ‘perdido'”, disse a mãe.
 
O diagnóstico e o preconceito
 
Com 33 semanas de gestação, os sinais de nanismo já eram bem claros, lembra a mãe. “Já havíamos passado por três fetologistas e um geneticista e a opinião era a mesma. Confesso que foi um choque muito grande. Era um mundo totalmente desconhecido para nós. Entrei em depressão, não saí de cima da cama por mais de dois meses. Criei uma espécie de bloqueio e me lembro muito pouco do que eu fazia ou falava. Eu só sabia chorar e orar. Tive muito medo pela saúde dela, pois ouvi de alguns médicos despreparados que ela poderia não viver, que provavelmente não respiraria e teria que fazer uma traqueo, entre outras coisas. Além do medo do preconceito”, conta Neila.
 
No entanto, o diagnóstico definitivo mesmo veio apenas após o nascimento. Desde então, iniciou-se uma maratona de exames, especialistas e tratamentos. A mãe explica que uma criança com a condição de Fefe precisa de acompanhamento multidisciplinar — otorrino, fonoaudióloga, fisioterapeuta, pediatra, geneticista, neurologista, oftalmologista, odontopediatra e ortopedista. “Esses são os principais”, afirma. “No caso da Maria Fernanda, tratamos o atraso motor com sessões de fisioterapia desde os 10 meses de vida, fonoaudióloga para estimular a fala, otorrino devido às constantes otites, ortopedista, já que se trata de uma displasia esquelética e, além disso, ela também possui uma má formação no joelho esquerdo que ainda estamos avaliando tratamento”, lista Neila.
 
Além de todas as dificuldades, a família conta que ainda precisa enfrentar o preconceito. “Entre familiares e amigos, eu sempre falei sobre a condição abertamente. Sempre fiz questão, aliás, pois entendo que a informação é o caminho. Mas senti o preconceito verdadeiro quando tentei buscar opções de escola e todas deram o mesmo pretexto: não podem recebê-la porque ela ainda não anda. Dizem que poderia recebê-la no berçário, junto aos bebezinhos mais novos por ainda não andar. Mas e aí, o que eu faço? Aceito isso e causo um atraso no desenvolvimento cognitivo dela? Ouvi isso, inclusive, de escolas que se dizem ‘inclusivas’. É um absurdo o despreparo das instituições de ensino para receber as pessoas com deficiência”, lamenta.
 
Apesar das comorbidades associadas, segundo a mãe Fefe é uma criança feliz e não apresenta alterações no desenvolvimento cognitivo. “Atualmente, ela faz fisioterapia três vezes na semana e tem fonoaudióloga duas vezes. Começamos a ver os resultados da fisio após a cirurgia para descompressão de medula. O caso dela já estava grave, pois havia edema na medula e risco de tetraplegia. Graças a Deus, conseguimos reverter a tempo e esperamos melhorar os resultados da fonoterapia após a próxima cirurgia para colocação dos tubos nos ouvidos”, explica.
 
Novo medicamento
 
Mas a esperança está mesmo em um novo medicamento chamado Voxzogo. “Na gestação, me envolvi com algumas famílias que me orientavam a respeito da condição e foi quando soube da existência do remédio. A droga ainda estava em estudo e não havia um tempo estimado para que fosse finalizada. Portanto, era apenas uma pequena esperança”, lembra.
 
Felizmente, hoje, após a apresentação de um estudo com 121 crianças entre 5 e 14 anos comprovando a eficácia e segurança, o medicamento foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), assim como na Europa (EMA) e Estados Unidos (FDA). No entanto, no Brasil, o tratamento completo pode chegar a R$ 24 milhões e ainda não foi integrado à rede pública de saúde. Por isso, as famílias precisam buscar na Justiça o direito de realizar o tratamento. 
 
A mãe, Neila, admite que antes de receber a autorização da Justiça, a família teve muito medo. “Era a nossa única chance”, ressalta. “A nossa realidade financeira mudou muito após o nascimento dela, pois os cuidados necessários são muitos e contínuos. Então, pedimos muito a Deus para que desse certo”, conta. E deu! Maria Fernanda é a primeira brasileira a receber autorização de compra e aplicação do Voxzogo por judicialização e já está tomando a medicação desde a última sexta-feira (20).
 
“Foi uma surpresa inesperada e muito esperada ao mesmo tempo. Somos muito gratos a Deus por essa oportunidade para Fefe e também por poder abrir os caminhos para que outros cheguem até o Voxzogo, assim como nós. São doses diárias de esperança para famílias que tanto lutam para melhorar a qualidade de vida dessas crianças e minimizar os impactos causados pelo nanismo”, diz a mãe.
 
Segundo a advogada da família, Anaísa Banhara, especialista em tutelas de urgência contra planos de saúde e SUS, a vitória de Fefe abre precedentes para que mais crianças também consigam o medicamento. “Há outras famílias à espera desse mesmo medicamento. Já temos mais de 25 tutelas deferidas no Brasil. No caso da Maria Fernanda, demorou cerca de três meses e meio, desde o início do processo até ela receber o medicamento em casa”, relata.
 
Ainda de acordo com a advogada, não há previsão para a droga passar a ser fornecida pelo SUS. “Para isso, ainda é necessário passar por todo um processo junto à Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), mas a expectativa é de que isso aconteça nos próximos anos. Por enquanto, o medicamento já foi precificado. O custo atual é de R$ 381 mil reais para três meses de tratamento. Então, a cada três meses, esse seria o custo para a família. Seu uso é contínuo e pode ser tomado a partir de 2 anos até os 16 ou 17 anos”, explica.
 
“Nem para uma família que ganha consideravelmente bem é possível adquirir um medicamento como esse, então a única saída é lutar na Justiça, como consta em nossa constituição: todos têm o direito ao melhor tratamento, à melhor saúde”, ressalta a advogada. 
 
Embora às vezes seja hereditário, a maioria dos casos de nanismo é causada por uma mutação genética e o medicamento age diretamente no gene FGFR3, que é o receptor do fator de crescimento chamado fibroblastos. Com o tratamento, a expectativa é o aumento da velocidade do crescimento anual da criança, a diminuição do número de cirurgias e de complicações multissistêmicas ao longo da vida.
 
A aplicação do Voxzogo é subcutânea e, segundo o site da fabricante BioMarin, durante a pesquisa foram apresentados apenas reações adversas leves no local da aplicação. Paralelo ao tratamento, é importante que o paciente realize terapias alternativas para dar suporte ao desenvolvimento.
 
“A promessa é de um crescimento muito próximo do normal. Mas muito mais que isso, para mim, como mãe que conheço todas as comorbidades associadas, o mais importante são as correções ortopédicas que a medicação é capaz de beneficiar. Maria Fernanda terá um esqueleto muito próximo do normal, a parte ortopédica será muito menos afetada e, dessa forma, as chances de novas cirurgias reduzem muito. Além da proporcionalidade de membros, que vai permiti-la ter uma vida funcional e autossuficiente. Pra mim é muito mais que os centímetros que ela vai ganhar, o Voxzogo é sinônimo de independência e qualidade de vida”, finaliza Neila.
Por; Revista Crescer
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