Não há como justificar — seja por critério técnico, momento da carreira ou experiência — a convocação da goleira Barbara para a Copa do Mundo. Mônica, 36 anos e indo para sua terceira Copa, é outra surpresa da lista anunciada nesta terça-feira pela técnica Pia Sundhage. Deveria ser a maior polêmica do dia, mas acabou até ofuscada pelo “efeito Barbara”.
Luciana, da Ferroviária, é tão experiente quanto a goleira titular do Flamengo. Sempre foi tida como uma opção segura para a reserva, e mesmo aos 35 anos ainda vinha participando de outras convocações — estava na lista de abril, contra Inglaterra e Alemanha!. Enquanto Barbara, de 34, não joga na seleção desde o fim dos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021. Sequer vive grande fase para quem defende que “futebol é momento”.
Mônica, zagueira do Madrid CFF, esteve presente apenas nas duas primeiras convocações da sueca, ainda em 2019. Voltou agora, surpreendendo a todos que acompanham o futebol feminino brasileiro, como opção para substituir Tainara, que era nome certo na lista mas vem de lesão muscular e acabou ficando como uma das três suplentes.
Cristiane? Neste caso, não há tanto motivo para controvérsias. Já se sabia que ela não iria para a Copa. No fundo, é uma situação em que todos podem ter razão na discussão, tanto os que defendem que ela vive bom momento no Santos quanto aqueles que veem como natural o fim do ciclo da veterana de cinco Copas, aos 38 anos, diante da avalanche de opções para o ataque da seleção (Debinha, Geyse, Kerolin, Bia Zaneratto).
Só não foi legal Pia Sundhage dar uma resposta seca quando perguntada sobre a ausência da atacante do Santos, no estilo “só falo das convocadas”. Anunciar Barbara e Mônica virou quase uma senha para reavivar o assunto Cristiane (será que alguém “cobraria” a presença da camisa 9 sem as duas outras veteranas na lista?).
E assim termina a primeira parte da análise da convocação da Pia para a Copa de 2023. A parte “difícil de entender”, digamos assim. Agora, vamos seguir adiante, porque ainda faltam 21 nomes na lista. E aí, por maior que seja a surpresa e a incredulidade com Mônica e, principalmente, Barbara, o restante da convocação, inegavelmente, é muito boa.
Não há o que dizer das duas outras goleiras. A corintiana Letícia é a melhor do país nesse momento, vive o auge da carreira. A santista Camila é a aposta no futuro. Poderia ser Gabi Barbieri, do Inter. Poderia ser Natascha, 25 anos, não tão nova mas ainda com estrada pela frente. Teria sido a Lorena, não fosse a lesão de LCA.
A construção da defesa – três laterais, quatro zagueiras – se completa com a escolha das volantes Luana e Ana Vitória. Pia confia na versatilidade das duas, caso precise fazer adaptações, especialmente pela ausência de uma lateral-esquerda reserva. Soa um pouco arriscado, mas não totalmente incoerente.
Do meio para a frente, agora sim, podemos abrir um sorriso. Qualquer um pode ter sua preferência, sentir falta de um ou outro nome (até da Cristiane, ok!), mas não dá para negar que, entre novatas e veteranas, Pia tem jogadoras que permitem inúmeras combinações táticas: Duda Sampaio, Ary Borges, Kerolin, Adriana, Geyse, Andressa Alves, Nycole, Bia Zaneratto, Gabi Nunes, Debinha e Marta.
Pia: Brasil tem “dez camisas 10”
Na entrevista coletiva, Pia disse que a seleção tem “dez camisas 10”. Exagero? Talvez. Mas são jogadoras que têm talento, podem cumprir diferentes funções e, o melhor de tudo, quase todas vivem ótima fase. A ponto de dar à treinadora uma possibilidade até pouco tempo impensável: guardar Marta no banco para ter a ’10’ de verdade em momentos decisivos dos jogos.
Portanto, ainda que as convocações de Mônica e, principalmente, Barbara, tenham sido o grande assunto – negativo – da convocação, quando a poeira baixar, veremos que o Brasil chega na Copa com uma equipe bastante coesa e forte, com totais condições de fazer um Mundial competitivo na Oceania. Até onde pode chegar? Eu diria que muito longe, o suficiente para nos deixar orgulhosos. E com um caminho bem pavimentado para as Copas que virão.
Por Allan Caldas
Repórter e redator de Futebol Internacional do ge
Foto: AFP