Dengue se espalha e pressiona serviços de saúde em cinco estados

Em ao menos cinco estados, a quantidade de casos de dengue tem aumentado no rastro do recente avanço da Covid-19. Em Minas Gerais, o número de infecções por dengue cresceu 94% em uma semana. Alagoas, Rio Grande do Sul, Tocantins e cidades do interior paulista também relatam alta.

Especialistas preveem que 2022, já marcado pelos recordes do coronavírus por causa da variante Ômicron, será um ano de maior incidência de dengue. Gestores alertam ainda para o risco de confusão nos diagnósticos, uma vez que há sintomas similares, como febre e dor no corpo.

Depois das chuvas, em menos de uma semana o número de casos de dengue praticamente dobrou em Minas. Em 20 de janeiro, a Secretaria de Saúde do estado notificou 178 casos. Já no dia 26, o número subiu para 347: alta de 94%. No que se refere à chikungunya, a alta foi ainda maior, de 192% – o número de casos passou de 27 para 79 no mesmo período. Houve ainda seis casos prováveis de zika no estado. Não houve registro de óbito por essas doenças.

Conforme a coordenadora de Vigilância das Arboviroses da pasta, Danielle Capistrano, não está excluído o risco de epidemia no período sazonal da doença, que começou em dezembro e vai até junho. A gestora lembra que o elevado volume de chuvas, aliado à temperatura alta, pode ter aumentado os focos de criadouros do mosquito transmissor, o Aedes aegypti.

Segundo ela, desde 2010, Minas teve ciclos epidêmicos de dengue a cada três anos – o último foi em 2019. Um novo período de alta no número de casos pode acontecer em 2022, daí a necessidade de manter o alerta. O governo deve repassar R$ 40 milhões aos municípios para ações de controle.

Em Alagoas, o número de casos subiu de 65, em dezembro, para 119, em janeiro. “Com as chuvas, os mosquitos encontram mais pontos de água parada, onde se reproduzem, o que impacta os índices de infestação nos municípios”, informou a Secretaria de Saúde local. Como dengue e Covid têm sintomas parecidos, a pasta recomenda que, em caso de febre, dores no corpo e de cabeça, seja procurado atendimento médico, pois as duas doenças são graves.

De acordo com a pesquisadora da Fiocruz Claudia Codeço, a infecção pela Covid não evita que a pessoa tenha também a dengue, mas representa risco maior para os que estão infectados. “Esses vírus estão circulando pelos mesmos locais, o que pode gerar dificuldade de diagnóstico e de tratamento oportuno das pessoas, tanto no caso da Covid quanto no da dengue. Vai ter impacto em ambas, pois são doenças cuja eficácia no tratamento depende de um diagnóstico o mais oportuno possível”, diz.

No Rio Grande do Sul, o número de casos de dengue mais que dobrou em 2021, em relação ao ano anterior (10.149 infecções, ante 3.600). Neste ano, foram registrados 75 casos nas duas primeiras semanas de janeiro, segundo o último boletim epidemiológico. A Secretaria de Saúde de Porto Alegre enviou alerta à rede de saúde, após constatar alto índice de infestação do Aedes em 21 bairros.

O Tocantins monitora 71 municípios por risco de epidemia de dengue – 51 em alerta diante da alta infestação predial do mosquito. Segundo o governo local, 66% das cidades tocantinenses estão vulneráveis a epidemias de dengue, zika e chikungunya – as três causadas pelo Aedes.

 

SP elabora protocolo

 

No estado de São Paulo, embora o pico da dengue se dê normalmente em abril, foram registrados 2.028 casos e 1 óbito em janeiro, além de 5 casos de chikungunya. No segundo semestre de 2021, a Secretaria de Saúde do estado elaborou um protocolo com diretrizes para suspeita clínica, diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos casos dessa doença, que tem sintomas parecidos com os de Covid-19.

No interior, as prefeituras de Araçatuba, Andradina e Birigui manifestaram preocupação com o possível impacto da dengue nos hospitais e postos de saúde, já lotados de pacientes de Covid e da gripe. O temor é que as chuvas e o calor antecipem o aumento dos focos de Aedes – as três cidades intensificaram as ações de combate ao transmissor.

Dos 11 municípios da região de Andradina, 10 estão com índice de infestação do Aedes entre os mais elevados do país. Com cerca de 200 mil habitantes, a região registrou mais de 6.600 casos em 2021. A taxa de incidência está seis vezes acima da média estadual.

São José do Rio Preto, Tatuí e Campinas, cidades cuja rede hospitalar também está pressionada pelo coronavírus, reforçaram ações contra a dengue. De 2020 para 2021, Rio Preto viu crescer em 187% o número de casos de dengue (de 7.252 para 20.803) – trata-se da maior incidência no interior. Em dezembro, agentes da saúde encontraram larvas do mosquito em 5% dos imóveis visitados na cidade.

Em Tatuí, 20.521 pessoas tiveram dengue em 2021, um salto em relação ao ano anterior (342). A prefeitura informou que uma equipe de 12 visitantes sanitários e 17 agentes de controle de endemias faz vistoria em casas e comércio.

 

Pandemia afetou prevenção

 

A Covid-19, segundo Claudia Codeço, afetou a prevenção e o controle da dengue nos dois últimos anos, pois exigiu que toda a estrutura de saúde fosse direcionada para fazer frente à crise sanitária. “Houve grande impacto, e agora é necessário recuperar as estruturas e os recursos que estavam alocados para o monitoramento e o controle das arboviroses e que foram redirecionados para a pandemia. É preciso fazer isso de forma urgente, especialmente agora, no início da temporada de dengue”, defende.

Embora o foco dos governos na área de saúde ainda esteja na Covid, alguns estados e a União já se preocupam com o avanço simultâneo da dengue. No fim de 2021, ao lançar a campanha “Combata o mosquito todo dia”, que buscava mobilizar a população para evitar novas epidemias de dengue, o Ministério da Saúde alertou para o risco de confusão entre os diagnósticos.

“Os principais sintomas da dengue são febre alta maior que 38,5 graus, dores musculares intensas, dor ao movimentar os olhos, mal-estar, falta de apetite e manchas vermelhas no corpo. Ao apresentar qualquer um desses sintomas, é importante procurar um serviço de saúde para obter diagnóstico e tratamento adequados”, afirmou o ministério.

Já os sintomas da Covid, segundo a pasta, são principalmente febre, tosse seca, cansaço, dores, desconforto, dor de garganta, diarreia, conjuntivite, dor de cabeça, perda do paladar, perda do olfato e erupção cutânea.

“O diagnóstico da dengue é clínico e feito por um médico. Ele é confirmado por exames laboratoriais de sorologia, de biologia molecular e de isolamento viral, ou confirmado com teste rápido. A melhor forma de prevenir a doença é evitar a proliferação do mosquito Aedes aegypti, eliminando focos, evitando água armazenada que possa se tornar criadouro”, observou a pasta da Saúde.

 

Fiocruz

 

Indicadores do InfoDengue, serviço de monitoramento de arboviroses desenvolvido por pesquisadores da Fiocruz e da Fundação Getulio Vargas (FGV), apontam a região Sul do país, o interior de São Paulo e a região entre Goiânia e Palmas como áreas de atenção para a dengue em 2022. O mapa crítico para possível expansão da doença inclui o Distrito Federal, a Amazônia e alguns municípios isolados da Bahia e do Ceará. No Sul, no norte e no oeste paranaense e em cidades de Santa Catarina, como Joinville, o Aedes aegypti circula bastante.

Conforme Claudia Codeço, que coordena o serviço, surtos registrados no ano passado podem ser uma indicação de que o vetor está se adaptando às alterações climáticas. “A dengue, de natureza urbana, está se expandindo para áreas mais rurais, com cidades menores, para o interior da Amazônia e para as regiões Centro-Oeste e Sul do país. Especialmente no Sul, encontramos nos últimos anos um aumento dos surtos de dengue em cidades de pequeno e médio porte”, disse. Segundo ela, o mosquito tem capacidade de adaptação e pode levar vários anos para se introduzir e se manter de forma sustentável em novas regiões.

 

Por; Estadão Conteúdo