Abuso de anti-inflamatórios oferece sérios riscos à saúde

Disponíveis até mesmo nas gôndolas das farmácias brasileiras – a grande maioria pode ser comprada no balcão sem receita –, os anti-inflamatórios costumam ser tão consumidos quanto os analgésicos por quem busca alívio da dor sem consultar um médico.

Entretanto, a ausência de uma prescrição médica não torna essa classe de medicamentos inofensiva. Muito pelo contrário. Especialistas ressaltam que o uso indiscriminado de anti-inflamatórios no Brasil é uma preocupação pelos riscos imediatos e de longo prazo que eles oferecem.

Dentre os remédios mais vendidos durante a pandemia, dois deles são anti-inflamatórios. O primeiro, é o Torsilax (nome comercial), cuja a fórmula contém, entre outros princípios ativos, o diclofenaco sódico, um anti-inflamatório não esteroide.

O outro é o Cimelide (nome comercial), que é a nimesulida, do mesmo subgrupo dos não esteroides. Este princípio ativo muito procurado por quem tem dor de garganta, por exemplo, pode ser comprado sem receita nas farmácias do Brasil, mas não é permitido em países como Estados Unidos, Austrália, Espanha e Finlândia pelo risco de danos ao fígado.

Outros anti-inflamatórios não esteroides comuns de serem consumidos incluem naproxeno, ibuprofeno e até mesmo ácido acetilsalicílico.

Estes três, a depender da dosagem, no caso dos dois primeiros, entram na categoria OTC (over-the-counter, em inglês), que são os de venda livre nas gôndolas.

Os anti-inflamatórios são uma classe de medicamentos importante, mas o uso indiscriminado, principalmente por longos períodos, representa riscos à saúde, alerta a reumatologista Juliana Silvatti, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo.

“Tem alguns estudos que mostram que nas endoscopias digestivas, quando foi visto uma úlcera, 15% [delas] eram associadas ao uso de anti-inflamatórios não hormonais. É bem representativo. Quando você já teve gastrite ou gastropatia, esse risco aumenta de 2% até 5%. A outra manifestação que a gente fica preocupada também é pelo aumento do risco cardiovascular: infarto agudo do miocárdio, acidente vascular encefálico, que são os derrames.”

Os problemas normalmente surgem em pessoas que compram esses remédios na farmácia e fazem uso sem seguir qualquer tipo de orientação, normalmente visando o alívio de dores, salienta a médica. “O principal uso se dá por dor nas costas.”

O gerente técnico-científico do CRF-PR (Conselho Regional de Farmácia do Paraná), Jackson Carlos Rapkiewicz, enfatiza que o uso abusivo está associado a danos nos rins e no fígado.

“Sabemos que acontece muito esse uso não racional, de pessoas que utilizam de forma exagerada, em situações em que não seria necessário. […] A pessoa recebe uma dica de um vizinho, de um parente e vai lá para comprar um medicamento. Vai depender muito de cada paciente, mas alguns podem desenvolver [lesões nos rins e fígado] mais cedo, outros com uso mais prolongado.”

Juliana acrescenta que há casos em que a pessoa desenvolve uma lesão aguda nos rins por conta do anti-inflamatório.

“O anti-inflamatório pode levar até mesmo quem não tem doença renal a ter uma lesão real aguda, que é rápida, mas costuma ser reversível, ou crônica, que é a perda da função renal lenta e irreversível.”

Outro ponto que Rapkiewicz chama atenção é para os riscos da interação dos anti-inflamatórios não esteroides com anticoagulantes.

“Se a pessoa que faz uso [de anticoagulante] tomar também um anti-inflamatório, existe o risco de potencializar o efeito do anticoagulante. A pessoa pode ter sangramento no estômago ou em outros locais.”

Corticoides

 

Os corticoides, ou corticosteroides, são outro subgrupo de anti-inflamatórios que precisa ser usado com cautela. Embora seja menos frequente, o abuso também está associado ao surgimento de problemas de saúde.

“Os corticosteroides são os medicamentos mais fortes disponíveis para reduzir a inflamação no corpo. Eles são úteis em qualquer quadro clínico no qual ocorre a inflamação, incluindo artrite reumatoide e outras doenças do tecido conjuntivo, esclerose múltipla, em situações de emergência, como em caso de edema cerebral devido a câncer, asma e reações alérgicas graves”, descreve o Manual MSD de Diagnóstico e Tratamento.

Os princípios ativos disponíveis no mercado incluem prednisona, dexametasona, triancinolona, ​​betametasona, beclometasona, flunisolida e fluticasona.

Eles são feitos para terem a mesma ação do cortisol – um hormônio produzido nas glândulas suprarrenais que tem, entre outras funções, reduzir inflamações. Mas, por serem sintéticos, os corticoides são muito mais potentes do que o cortisol encontrado no nosso organismo.

“Os corticosteroides reduzem a capacidade do corpo em combater infecções reduzindo a inflamação, normalmente quando são tomados por via oral ou administrados na veia. Devido a esse efeito colateral, eles são usados ​​com extremo cuidado quando infecções estão presentes”, ressalta o Manual MSD.

O uso indiscriminado dos corticoides é feito principalmente por pacientes com dores crônicas, afirma o gerente técnico-científico do CRF-PR.

“O resultado é bom mesmo, ajuda a aliviar os sintomas. Mas, com o tempo, podem aparecer reações adversas graves. […] Os corticoides têm um efeito sistêmico no organismo, eles acabam atuando em vários órgãos e podem levar a várias alterações. Por isso a preocupação de não ter esse uso indiscriminado e de longo prazo.”

Manual MSD elenca uma série de efeitos colaterais de longo prazo.

“O uso de corticosteroides em longo prazo, particularmente em doses elevadas e, em particular, quando administrados por via oral ou intravenosa, invariavelmente provoca vários efeitos colaterais envolvendo quase todos os órgãos no corpo. Os efeitos colaterais comuns incluem adelgaçamento da pele com estrias e equimose, hipertensão arterial, níveis elevados de açúcar no sangue, catarata, inchaço no rosto (rosto em forma de lua cheia) e abdômen, afinamento dos braços e pernas, má cicatrização de feridas, crescimento retardado em crianças, perda de cálcio nos ossos (o que pode levar à osteoporose), fome, ganho de peso e alterações de humor.”

Juliana frisa que os corticoides devem sempre ser usados sob supervisão médica.

“É um preceito da reumatologia: a menor dose possível e pelo menor tempo possível. Nas doenças autoimunes a gente utiliza muito corticoide, porque esse efeito na imunidade faz sentido para algumas doenças, mas sempre tentar substituir por drogas com menor efeito colateral.”

Ausência de dados claros na Anvisa

 

Rapkiewicz aponta para o fato de a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) não ter dados claros disponíveis sobre as vendas de anti-inflamatórios que não precisam de receita com duas vias (a grande maioria).

Sem estes relatórios periodicamente, fica praticamente impossível saber se está havendo aumento ou queda do consumo ao longo do tempo.

“Hoje a gente tem um controle bem-organizado dos medicamentos controlados. Todas as farmácias têm que lançar no sistema, os relatórios vão para a Anvisa e ela tem como saber a situação do consumo dessas substâncias. Quanto aos outros medicamentos, não existe um sistema que as farmácias usem. Então, não é tão fácil você conseguir um relatório de consumo dos outros medicamentos que não sejam os controlados”

 

R7