Cientistas descobrem novo tipo de coronavírus em morcegos
Um estudo ainda não revisado por pares e publicado por cientistas chineses no fim de janeiro tem movimentado discussões nas redes sociais nesta semana. No artigo, o grupo relata ter descoberto em morcegos um tipo de coronavírus semelhante ao Mers-CoV, que provocou uma epidemia de síndrome respiratória do Oriente Médio em 2012, em que houve 858 mortes relatadas, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde).
Chamado pelos cientistas de NeoCoV, o patógeno é da mesma família do Sars-CoV (que causou uma epidemia em 2002-2003) e do Sars-CoV-2 (que causa a Covid-19).
O Mers-CoV não se espalhou com a mesma velocidade que o Sars-CoV-2, o que fez com que o número de casos não passasse de cerca de 2.500 em 27 países.
O próprio artigo não levanta nenhum tipo de alerta em relação à infecção de humanos.
“Nosso estudo aumenta o conhecimento sobre o uso complexo de receptores de coronavírus, destacando a importância da vigilância e pesquisa sobre esses vírus para que nos preparemos para possíveis surtos no futuro”, afirmam os autores.
“Até agora, não há evidências de que o NeoCoV tenha infectado humanos ou outros animais além de morcegos. Além disso, os dados atualmente disponíveis indicam que o NeoCoV NÃO PODE infectar humanos”, disse, por email, Manuela Zingl, porta-voz do Hospital Universitário Charité, em Berlim, na Alemanha, à agência de notícias Reuters.
“Qualquer infecção de humanos pelo NeoCoV é pura especulação e não pode ser prevista com base nos dados disponíveis”, complementa o comunicado da instituição, uma das mais respeitadas em estudos de vírus.
Já é consenso na comunidade científica que morcegos são reservatórios naturais de vários tipos de coronavírus, sem que adoeçam. Isso não significa que eles devam ser caçados ou mortos pela população.
Morcegos, em seu habitat natural, são extremamente importantes no controle de pragas e espalhamento de sementes, por exemplo.
O grande problema, destacado em outro estudo chinês antes da pandemia, é o contato de outros animais com morcegos.
“A China é o terceiro maior território e também a nação mais populosa do mundo. Uma vasta área e diversos climas trazem grande biodiversidade, incluindo a de morcegos e vírus transmitidos por morcegos – a maioria das espécies de coronavírus foi nomeada por cientistas chineses que estudam morcegos locais ou outros mamíferos. A maioria dos CoVs pode ser encontrada na China. Além disso, a maioria dos hospedeiros morcegos desses CoVs vive perto de seres humanos, potencialmente transmitindo vírus a seres humanos e animais. A cultura alimentar chinesa sustenta que os animais abatidos vivos são mais nutritivos, e essa crença pode aumentar a transmissão viral”, diz um trecho do estudo publicado na revista científica Viruses.
O desmatamento e a criação de animais para abate em determinadas áreas podem, segundo especialistas, ter relação com a emergência de novos patógenos.
No caso da epidemia de Sars, descobriu-se que o coronavírus originário de morcegos infectou civetas, mamíferos vendidos vivos em mercados chineses e consumidos como alimento.
O Mers teve o mesmo caminho. O coronavírus Mers-CoV foi transmitido de morcegos para dromedários, posteriormente infectando humanos.
Esse não é um processo tão rápido, pois exige contato próximo. O vírus de um animal não consegue infectar um ser humano na primeira tentativa, de acordo com virologistas.
Portanto, se a exposição a esses animais doentes for permanente, haverá mais risco de o vírus se adaptar e conseguir fazer o que os cientistas chamam de “pulo”.
Ainda assim, ele precisará continuar as mutações e evoluir para se tornar transmissível entre humanos.
A manipulação de sangue fresco contaminado ou a exposição a urina, fezes ou saliva são fatores que facilitam o salto de um vírus para humanos.
A principal suspeita é que o vírus causador da Covid-19 tenha saltado para humanos em um mercado de Wuhan onde eram vendidos diversos animais que podiam ser abatidos lá mesmo.
Não à toa, esses estabelecimentos costumam ser chamados de mercados molhados, por exigirem que o chão, com sangue e excrementos, seja constantemente lavado.
Uma suposta lista de preços do mercado de Wuhan começou a circular nas redes sociais após os primeiros casos de Covid-19.
Nela, aparecem valores de animais como filhotes de lobo, cobras, salamandras-gigantes, pavões, ratos, jacarés e raposas vivas.
A oferta incluía também o abate dos animais escolhidos ou a carne congelada, como a de camelo. Tudo isso “entregue à sua porta”, dizia o anúncio.
Moradores das proximidades do mercado confirmaram ao jornal South China Morning Post a comercialização de animais exóticos.
“Havia tartarugas, cobras, ratos, ouriços e faisões”, disse a vizinha do centro de compras. Um vendedor de frutas acrescentou que esse tipo de prática ocorria havia muito tempo.
Autoridades chinesas encontraram o coronavírus que infectou humanos em amostras coletadas no mercado após a interdição. Elas estavam na ala oeste, onde havia mais comércio de animais vivos.
No entanto, até hoje, o animal que deu origem à doença permanece uma incógnita.
Um documentário de 2020 do NatGeo mostrou pangolins doentes, com coriza, na China. Esse foi o animal apontado inicialmente como o possível hospedeiro intermediário do Sars-CoV-2.
Pesquisadores da Universidade Agrícola do Sul da China, em Guangzhou, identificaram um tipo de coronavírus 99% compatível geneticamente com o que estava infectando pessoas em Wuhan.
O pangolim é um animal em extinção, mas continua sendo caçado e comercializado na África e na Ásia.
Uma reportagem de 2019 do jornal britânico The Guardian mostrou que o pangolim é o mamífero selvagem mais traficado no mundo. Acredita-se que, em duas décadas, 1 milhão deles tenham sido mortos.
Além de o pangolim ir para a panela, na China, usam-se as suas escamas na medicina tradicional.
Após a eclosão da pandemia, o governo chinês estabeleceu leis que garantem a proteção do pangolim, inclusive com a sua remoção da lista de medicamentos. O tráfico de animais, todavia, continua a ser um problema.
Por; R7