Depressão e ansiedade: o que acontece quando se para de repente de tomar os remédios?

Cerca de 10% da população mundial sofre com transtornos mentais, de acordo com a Organização Mundial da Saúde.
Na América Latina, o Brasil lidera entre os países com mais gente que relata ter ansiedade e depressão, com quase 19 milhões de pessoas.
Ao todo, 7% dos brasileiros dizem que sua saúde mental é precária ou muito ruim, segundo uma pesquisa do instituto Datafolha. O índice é maior entre mulheres (9%) e jovens entre 16 e 24 anos (13%).
Nesse cenário, a procura por remédios psiquiátricos vem aumentando. Entre 2017 e 2021, a venda cresceu 58%, segundo dados do Conselho Federal da Farmácia.
Outro levantamento recente, feito pelo Instituto Cactus e AtlasIntel, mostrou que, entre os 2.248 participantes (todos maiores de 16 anos), um em cada seis usavam remédios psiquiátricos.
Tão comum quanto usar esses remédios é parar de tomá-los de uma hora para a outra, dizem especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.
Muitas pessoas caem nesta cilada, muitas vezes, justamente porque os medicamentos estão fazendo seu efeito — a melhora pode criar a ilusão de que o problema está resolvido, segundo eles.
Em outros casos, efeitos adversos do tratamento podem levar uma pessoa a interromper abruptamente o tratamento.
Quem resolve parar de usar o remédio sem consultar o médico pode sofrer prejuízos imediatos e a longo prazo, afirmam os psiquiatras.
Os efeitos da interrupção abrupta do tratamento
Um único dia sem tomar remédios como os usados no tratamento de depressão e ansiedade já pode alterar sinais químicos do cérebro e provocar sintomas como enjoo, cansaço, tontura e sensação de “cabeça aérea”.
A intensidade destes sintomas depende do corpo de cada pessoa, que os sente de forma mais ou menos intensa.
Um estudo recente aponta que mais da metade (56%) das pessoas que tentam interromper o uso de antidepressivos têm sintomas adversos, e quase metade delas (46%) descrevem os efeitos colaterais como graves.
É a chamada “síndrome da retirada”, que pode ser causada pela interrupção do uso não só de antidepressivos e ansiolíticos, mas também de hipnóticos, antipsicóticos, estabilizadores de humor e estimulantes (incluindo remédios usados no tratamento de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).
mbora sejam desagradáveis, eles não são o maior risco de parar de repente de tomar um remédio.
“Há a possibilidade de que os sintomas originais retornem de forma intensa”, explica Vanessa Favaro, diretora do Serviço de Ambulatórios do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (IPq-USP).
Elson Asevedo, psiquiatra e diretor técnico do Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental da Universidade Federal de São Paulo (Caism/Unifesp), acrescenta outro efeito que ele costuma observar na prática.
Pacientes que tiveram uma resposta boa inicialmente a um medicamento podem responder de forma mais lenta ou apresentar resistência ao retomar um tratamento que foi interrompido abruptamente.
“Aumentar a dose ou trocar a medicação pode ser necessário em alguns casos, inclusive combinando múltiplos medicamentos diferentes”, diz Asevedo.
Por que pessoas param de tomar remédios ‘de um dia para o outro’?
O principal motivo que leva alguém a parar com um medicamento é o quadro que estava sendo tratado aparentemente se estabilizar.
“Quando se experimenta a melhora da depressão e da ansiedade, é natural sentir que os medicamentos não são mais necessários, já que os sintomas parecem ter diminuído”, explica Asevedo.
“Porém, a armadilha aqui é que essa melhoria nos sintomas muitas vezes ocorre antes da melhoria física no cérebro.”
O médico compara o cérebro a um computador, e a doença, a um programa instalado na máquina.
O tratamento remove o programa, explica ele, mas, para que o cérebro se proteja contra futuras recaídas, é necessário um período considerável de uso da medicação para que o cérebro crie novos caminhos para funcionar sem a influência da depressão.
“É recomendável que antidepressivos sejam usados por pelo menos 12 meses após a alta médica e pode chegar a até dois anos ou mesmo ser por tempo indeterminado, caso o paciente tenha tido dois ou mais episódios de depressão ao longo da vida”, afirma Antônio Geraldo, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).