Engenheiro com permissão para plantar cannabis diz que decisão da Justiça ajuda pessoas: ‘Não é uma conquista só minha’

Um engenheiro de Sorocaba (SP) é uma das três pessoas que conseguiram a permissão para cultivar maconha para uso medicinal em casa após decisão unânime da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Ao g1, o jovem de 27 anos relata as dificuldades de um tratamento caro e conta que tem problemas de saúde desde os 12 anos e fazia tratamento com medicamentos comuns há mais de 15 anos.

“Tenho uma ansiedade generalizada, depressão recorrente, transtorno de déficit de atenção e transtorno pós-traumático. São várias patologias relacionadas à parte psicológica e psiquiátrica e que eu estou tentando lidar há muito tempo, lidar com a terapia, com medicamentos comuns e nunca faz efeito”, relata.

O engenheiro diz que não tem crises de ansiedade há dois anos, quando passou a procurar o tratamento com cannabis medicinal.

“Logo depois que percebemos melhoras absurdamente rápidas e consistentes, a gente conversou com a doutora Bianca, que é advogada do caso, e a gente começou o processo para ter o salvo conduto pra fazer o plantio da cannabis medicinal”, explica.

A advogada do rapaz, Bianca Uequed, explicou à TV TEM que a autorização dada para o cliente é para que ele não seja preso pelo plantio.

“Reconhece que o habeas corpus é a forma jurídica cabível de se fazer esse pedido de resguardo da liberdade. Como uma primeira decisão, ela se torna um marco e, por ser a mais recente, faz a jurisprudência para que outras pessoas possam ajuizar o seu habeas corpus e não serem impedidas de plantar”, diz.

A decisão do STJ permite que ele plante, por ano, 60 pés de planta em casa. De acordo com o morador, que preferiu não se identificar, isso o ajuda. A pandemia aumentou a frequência de crises de ansiedade e a quantidade de remédios.

Após um curso de especialização sobre a cannabis feito pela mãe dele, que ele conheceu e passou a fazer o uso do óleo.

“Em menos de dois, três meses, eu fui reduzindo os remédios até sobrar um”, diz.

Pedido foi rejeitado

 

Foi então que ele acionou as advogadas e entrou com um processo na comarca de Sorocaba, para poder cultivar a maconha para uso medicinal em casa.

“O pedido foi rejeitado. A gente fez o recurso no Tribunal de São Paulo, que também foi rejeitado em segunda instância. Aí a gente entrou no STJ para poder ter esse precedente e tentar em um âmbito um pouco mais avançado”, relembra.

Todo o processo para conseguir a autorização no Superior Tribunal de Justiça durou aproximadamente dois anos. Para o jovem, a autorização abre um precedente importante para as famílias que precisam do óleo, mas não conseguem cultivar.

“É um medicamento extremamente caro. Um tratamento pode variar de R$ 2 mil até R$ 6 mil, dependendo da dose do paciente. Então, a gente decidiu entrar, não só por mim, mas por toda a comunidade brasileira, que pode ter acesso a esse medicamento”, diz.

Para ele, a decisão do STJ significa muito mais para as outras pessoas do que para ele mesmo.

“Muitos idosos que sofrem de Parkinson, de Alzheimer, de câncer. Eu acho que essa é uma conquista para todo o Brasil. Não é uma conquista só minha”, afirma.

 

“O que muda a partir de agora é que eu vou ter segurança, vou poder saber que vou estar bem e que o meu medicamento vai estar ali sempre disponível, sem ter medo de sofrer repressão por qualquer tipo de autoridade legal, isso cria bastante paciência, calma, uma paz que eu estava precisando há muito tempo”.

Decisão inédita

 

Na prática, a decisão autoriza que a conduta não seja enquadrada como crime e que não sofra responsabilização pelo poder público.

O julgamento da Sexta Turma vale para os casos específicos dos três recorrentes, mas o entendimento, apesar de não vinculante, pode orientar decisões em processos em instâncias inferiores que discutem o mesmo tema.

Na sessão, o subprocurador-geral da República José Elaeres Marques afirmou que a conduta de cultivar a cannabis para pacientes com doenças graves não pode ser considerada crime.

“Não obstante a possibilidade de importar e conseguir o produto via associações, o preço ainda se revela fator determinante e impeditivo para a continuidade do tratamento em vários casos. Em razão disso, diversas famílias, em busca de uma alternativa viável, têm trilhado o caminho do Judiciário, postulando por meio de habeas corpus salvo conduto para cultivar e extrair em casa o extrato medicinal de cannabis sem o risco de serem presas e frequentando também cursos de cultivo e oficinas de extração promovidos pelas associações”.

O ministro Rogério Schietti, relator de um dos processos, afirmou que a questão envolve “saúde pública” e “dignidade da pessoa humana”. Ele criticou a forma de condução do tema por órgãos do Poder Executivo.

“Hoje ainda temos uma negativa do Estado brasileiro, quer pela Anvisa, quer pelo Ministério da Saúde, em regulamentar essa questão. Nos autos transcrevemos decisões dos órgãos mencionados, Anvisa e Ministério da Saúde. A Anvisa transferindo ao Ministério da Saúde essa responsabilidade, o Ministério da Saúde eximindo-se, dizendo que é da Anvisa. E assim milhares de famílias brasileiras ficam à mercê da omissão, inércia e desprezo estatal por algo que, repito, implica a saúde e bem-estar de muitos brasileiros, a maioria incapacitados de custear a importação dessa medicação”, argumentou.

Por; G1