IML troca corpos e mãe só enterra filha uma semana após morte em SP

Nove meses de gestação, compra de enxoval, reforma do quarto e todos os preparativos para a chegada do bebê. Mas a filha da vendedora Amanda Lima de Melo Santiago, de 22 anos, nasceu morta e abalou a família.

Para agravar a situação, ao fazer o reconhecimento no Instituto Médico Legal (IML), a irmã de Amanda percebeu que o corpo não era o da sobrinha dela, Clarice, e que ela já havia sido enterrada por outra família.

Depois de uma semana, a mãe conseguiu exumar o corpo da filha, fazer um velório de uma hora e enterrá-la na sexta-feira (10). O IML confirmou o erro, lamentou o caso e disse que vai investigar e identificar os culpados pela falha.

“Eu queria estar pelo menos aliviada, mas sabe quando você não consegue aceitar? Hoje era para (Clarice) estar fazendo sete dias de felicidade, mas vou enterrar minha filha”, disse Amanda.

Procurado pela BBC News Brasil, o Instituto Médico Legal confirmou o erro. Em nota, informou que “lamenta o ocorrido e esclarece que já prestou toda assistência à família. Todas as providências junto à funerária e ao Poder Judiciário já foram tomadas para corrigir a situação”.

O IML disse ainda que “o caso será apurado e, se comprovada inconformidade com os procedimentos exigidos pela legislação, a Corregedoria e as Autoridades serão acionadas para as devidas providências. Da mesma forma, será oficiado o SVO para verificar as responsabilidades a fim de que tal situação não mais ocorra”.

A Polícia Civil afirmou que também investiga o caso no núcleo Corregedor de Taboão da Serra e que “todos os envolvidos serão ouvidos na unidade para esclarecimentos e apuração de eventual responsabilidade administrativa”.

Troca no IML

 

Depois do parto da filha natimorta no hospital Family, em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, o corpo foi encaminhado ao IML da mesma cidade. Mas Amanda permaneceu internada, em observação.

Ela disse que não queria ver o corpo da filha. Mas pediu que o marido tirasse uma foto para ter como registro. “Eu queria saber como ela era, porque ela existiu”, contou Amanda à reportagem.

No IML, o reconhecimento foi feito pela irmã dela, Andressa Lima Santiago, de 21 anos. Ela recebeu, do marido de Amanda, a foto para confirmar a identidade do bebê.

“Minha madrasta entrou para reconhecer o corpo junto comigo. Mas o Gustavo, da funerária que a gente contratou, chamou nós duas e falou que o peso da neném não estava correto. Quando eu fui ver, não tinha como ser a Clarice. A bebê que estava lá era prematura e o que chamou atenção foi que alguns membros ainda estavam se formando”, disse Andressa Santiago.

Ela disse ter entrado em desespero e contou que, em seguida, o funcionário do IML ligou para a funerária e confirmou que os corpos haviam sido trocados. Segundo ela, o responsável pediu para que a família esperasse uma hora e meia, pois eles levariam o corpo da Clarice de volta para que fizessem o velório. Mas ela já tinha sido enterrada por outra família.

“A gente chamou a polícia e fomos para a delegacia. Eles fizeram um B.O. e identificaram o pai que tinha enterrado a nossa bebê por engano”, afirmou Andressa.

O homem relatou para a família que também tinha estranhado o fato de a criança ser grande, mas que reconheceu o corpo, pois não tinha visto o feto anteriormente, que tinha 30 semanas e pouco mais de 1,5kg. A bebê de Amanda, que nasceu com um parto normal com fórceps de alívio (quando ele já está no canal vaginal), tinha 39 semanas e 3,5kg.

“O pai da menina prematura disse que os funcionários do IML falaram para ele que só tinha aquele bebê para reconhecimento. Nem fizeram questão de olhar, mas a filha dele estava na geladeira. Ele disse que chegou até a questionar o motivo de ela estar mais gordinha, mas falaram que é assim mesmo, que ‘quando morre, incha'”, afirmou Amanda à BBC News Brasil.

Para fazer a exumação do corpo, velar o bebê e depois enterrar, a família precisou contratar um advogado e entrar com uma ação na Justiça.

A ordem judicial para realizar o procedimento foi expedida uma semana após o equívoco do IML e a exumação foi feita horas antes de a família celebrar a missa de Sétimo Dia de Clarice.

O feto, que pensavam ser inicialmente da Clarice, permaneceu esse tempo todo no IML e também foi enterrado pela família verdadeira após o novo reconhecimento.

Preparativos e trauma

 

Amanda e o marido dela já têm uma filha de 3 anos. Planejando a chegada de Clarice, o casal fez mudanças na casa onde mora na favela de Paraisópolis, zona sul de São Paulo. Eles decidiram adaptar e decorar o cômodo onde dormiam, que é maior, para as duas filhas.

“Não consigo nem entrar no quarto e não quero me desfazer das coisas dela. Mesmo não tendo condições de comprar tudo novo, a gente comprou todo o enxoval. Com oito meses de gestação, eu comecei a lavar tudo e passar todas as roupas, saída da maternidade, e agora está tudo lá”, contou Amanda.

Ela relatou que não teve nenhum problema no pré-natal e que durante a gravidez não foram identificadas alterações na saúde do feto.

Amanda disse ter feito o acompanhamento da gravidez com a mesma médica da primeira gestação, no bairro onde ela mora, pois a considerava de confiança.

Mas Amanda fez ressalvas em relação ao atendimento do hospital Family, em Taboão da Serra, onde aconteceu o parto. A vendedora contou que, por diversas vezes, ficou sozinha no quarto durante o trabalho de parto e que o hospital não a informou com clareza a causa da morte da bebê.

“Na declaração de óbito dela, eles colocaram que a causa da morte foi por falta de oxigênio. Eu quero saber o que motivou essa falta de oxigênio, porque durante o pré-natal estava tudo certo. Ela respirava normalmente”, afirmou Amanda, que disse querer uma resposta mais precisa sobre a causa da morte.

Procurado, o hospital Family informou em nota que, “devido à impossibilidade de atestar a causa do óbito, a criança foi encaminhada ao IML da cidade de Taboão da Serra para verificação. O hospital abriu uma sindicância interna para apurar todos os atendimentos e procedimentos prestados a paciente”.

Ao final da entrevista à reportagem, Amanda disse que está muito abalada e que não entrou mais no quarto reformado para as filhas. Ela disse que sente como se estivesse vivendo um pesadelo.

“Uma mulher sofre muito para ter um filho. Aí você perde e fica um vazio que ninguém ocupa, que não tem fim. Tem gente que diz que sou nova e posso ficar grávida de novo. Mas se eu engravidar de novo, é outra outra história que não apaga essa”.

 

Por; BBC News Brasil