Pais de menino de 2 anos que tinha 200 convulsões por dia conseguem autorização para plantar maconha medicinal no Piauí

“Só conhecemos nosso filho depois da cannabis”. Esse é a conclusão dos pais de um menino de 2 anos, que conseguiram na Justiça Federal do Piauí, um salvo-conduto para plantar a Cannabis sativa, nome científico da maconha, para fabricar o óleo medicinal que a criança precisa. Segundo a mãe, que preferiu não se identificar, a criança já chegou a sofrer cerca de 200 convulsões em um só dia.

A cannabis é o gênero da planta proibida, a maconha, mas que também é a planta medicinal, utilizada para o tratamento de epilepsia refratária, dor crônica, Alzheimer, ansiedade, Parkinson – uma lista com 26 condições médicas.

O menino tem a Síndrome de West, um tipo de epilepsia rara que provoca prejuízos neurológicos. Os sintomas começaram quando o menino tinha apenas três meses. A síndrome causa atrasos no desenvolvimento psíquico e motor, e até que ele sustente a coluna.

Antes de completar um ano, o menino havia passado por três neuropediatras e chegou a tomar sete medicamentos diariamente, sem resultado positivo e sofrendo com efeitos colaterais das drogas. Hoje o menino tem dois anos e, tratado com o óleo medicinal, ele tem de duas a três convulsões diárias, algumas quase imperceptíveis.

“Em duas semanas usando o óleo, as terapeutas dele já ficaram surpresas. A evolução dele foi surpreendente, e hoje ele está conseguindo se desenvolver, já tem sustentação com as costas. Só conhecemos nosso filho depois da cannabis. Antes era só agonia”, contou a mãe.

 

Ela contou que, antes da chegada do filho, sequer ouvira falar sobre a síndrome, e não tinha tido nenhum contato com maconha. Mas pesquisando, descobriram o tratamento à base do óleo de cannabis. Tempos depois, para conseguir a planta, passaram a cultivar ilegalmente e tinham medo de ser presos.

“Infelizmente esse tabu atrasou muito a gente, era para ter começado com o óleo bem antes. Mas meus pais eram contra, a neuro[pediatra] também não era a favor. A gente tinha muito medo de ser preso. Quando batiam na nossa porta, a gente já ficava assustado. Até deixamos de receber visitas em casa”, disse.

Habeas corpus

 

O salvo-conduto foi concedido pelo juiz federal Agliberto Gomes Machado, da 3º Vara Federal Criminal no Piauí, e trata-se de um habeas corpus com pedido liminar, com validade de 2 anos, para impedir que os pais do menino sejam presos por portarem maconha, sementes ou insumos para o cultivo voltado ao tratamento terapêutico.

Os pais estão proibidos de utilizar ou fornecer para outras pessoas a maconha como substância recreativa. A decisão aconteceu no início de maio de 2022. Para o advogado Wesley Carvalho Viana, autor do pedido da família piauiense, a decisão é uma vitória não só para os clientes, mas para o combate ao tabu sobre o uso terapêutico da cannabis.

“Foi um desafio porque a gente ainda percebe que no Piauí há uma questão cultural de preconceito em relação até ao uso medicinal da cannabis. Mas o que fazemos é pensando no melhor da criança, e baseado em ciência, em estudos, e nos resultados obtidos com ele”, comentou o advogado.

 

No dia 14 de junho, em uma decisão inédita, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça permitiu que três brasileiros pudessem plantar maconha para fins medicinais. Por unanimidade, a Turma permitiu que elas cultivem a planta sem que o cultivo seja considerado crime.

Durante o julgamento, os ministros criticaram a falta de legislação sobre o tema. O ministro Rogério Schietti, relator de um dos processos, afirmou que a questão envolve “saúde pública” e a “dignidade da pessoa humana”. Ele criticou a forma como os órgãos do Poder Executivo conduzem o tema.

A decisão vale para as famílias e pacientes que recorreram ao STJ, mas o entendimento pode orientar decisões de outros processos que tramitam por tribunais da primeira e segunda instâncias de todo o país.

Para Wesley Carvalho, o novo entendimento do STJ é uma esperança para outras famílias que esperam pelo tratamento e mais ainda para aquelas que plantam de forma ilegal.

“É um tratamento de saúde que é urgente, as crianças estão sofrendo e não podem esperar. Tanto que temos famílias que não têm nenhum contato com o crime, mas que preferem correr o risco de ser presos para dar aos filhos um tratamento eficaz e dignidade”, comentou.

 

Por; G1