Secretário chora em depoimento ao Júri e diz que teve fala tirada de contexto

Em seu depoimento durante o julgamento pelo Tribunal do Júri, nesta segunda-feira (6), pela morte de Cláudio Andradre Gonçalves em 1996, o secretário de Ordem Pública de Cuiabá, coronel Leovaldo Emanoel Sales da Silva se emocionou ao falar de sua carreira e disse que teve uma fala tirada de contexto. Ele era o comandante do 3º Batalhão da Polícia Militar na época dos fatos e é acusado de envolvimento na execução da vítima, que fugiu do presídio do Carumbé.

Sales começou negando que tenha participado da morte de Cláudio e afirmou que não sabe quem o matou. Ele contou que no dia estava em seu batalhão, por volta das 15h, quando recebeu a notícia de uma rebelião no presídio do Carumbé.

 

“A notícia dava conta de que era uma rebelião de uma proporção considerável, uma vez que vários presos haviam feitos pessoas como reféns e parte dessa população carcerária tinha evadido do presidio […] nosso 3º batalhão é a unidade mais próxima do presídio do Carumbé, e com a responsabilidade fazer a segurança externa naquela cadeia pública imediatamente eu recorri aos policiais que se faziam presentes no batalhão, peguei minha viatura e mais dois policiais e fomos em direção ao Carumbé”.

 

Ele relatou que ao se aproximar do presídio viu que presos haviam sido recapturados, já estavam sendo conduzidos. O coronel explicou que um deles reclamava de dores, pedia por socorro.

 

Sales também afirmou que havia um receio de reintroduzir detentos recapturados ao presídio, pela segurança deles, que sua intenção era preservar a vida.

 

“O preso que tenta uma fuga e é recapturado, se recolado dentro do presídio ele recebe uma sentença de morte, por isso que quando recebemos estes dois presos a decisão foi de não recolhê-los para o presidio […] eu nunca tinha nem ouvido falar nesse tal de Claudio, não o conhecia, não sabia seu nome, sabia que aparentemente ele estava ferido e necessitava de socorro”.

 

Sales permaneceu no presídio e deu ordem para que os dois detidos fossem encaminhados a uma unidade de saúde. No entanto, no início da noite ele foi informado pelo capitão que tomava conta dos presos que os dois haviam fugido novamente.

 

O coronel ainda disse que o caso ganhou muita exposição na mídia e que em uma ocasião uma fala sua, em uma conversa com uma repórter, foi tirada de contexto.

 

“Houve muita exploração por parte da imprensa local, até por força de uma declaração minha, num contexto absolutamente de descontração, quando dois ou 3 dias após esta ocorrência, uma repórter que cobria as matérias policias veio ao 3º batalhão, numa conversa completamente fora de um contexto de entrevista […] não percebi que a câmera do cinegrafista estava ligada e fiquei conversando com ela, descontraído”, contou.

 

Foi neste episódio que, quando questionado sobre Cláudio, Sales teria dito que ele “tinha virado anjo”. O coronel afirmou que não tinha conhecimento que Cláudio havia sido morto, que disse isso em um contexto de que a imprensa estava tentando reportá-lo como “uma pessoa de bem”.

 

“Não falei essa frase no sentido de debochar da condição daquele preso, que naquele momento eu já conhecia sua ficha pregressa, sabia que era um contumaz furtador, um ladrão, mas ainda assim, no contexto da frase não tive essa intenção de discriminar, foi uma brincadeira, foi tomada de uma imagem não autorizada por mim”.

 

“Naquele momento parte da imprensa queria transformá-lo numa pessoa de bem, queriam transformar um ladrão… criaram uma profissão pra ele, dizendo que a polícia tinha sumido com ele e o comandante era o mandate deste crime. A colocação desta frase [virou anjo] que já me trouxe prejuízos psicológicos, morais, familiar, entre amigos, incalculáveis”, explicou.

 

O coronel destacou que não tinha motivação para mandar matar Cláudio e que não conhecia tão bem os policiais que conduziram o fugitivo a uma unidade de saúde para dar este tipo de ordem.

 

“Quem me conhece sabe que não sou homem de mandar ninguém fazer as coisas por mim, muito menos pessoas que não trabalhavam comigo, ou se trabalhavam era pouco tempo, não existia um vinculo de confiança para eu chegar em alguém e falar ‘olha executa este preso’ […] se fosse para fazê-lo, eu tinha um cenário de fuga, tinha possibilidade de introduzir este preso e sabia  ele iria morrer lá dentro logo em seguida”.

 

Ele ainda se emocionou e chorou ao falar de sua carreira e de seus filhos, que acompanham a sessão, criticando também a denúncia.

 

“É completamente desconexa [a denúncia], chego até a questionar esta denúncia, não sei com que finalidade… talvez o brilhantismo da minha carreira, que foi construída com muito sacrifício, venci a pobreza e o racismo deste país, e nunca precisei de cota para galgar qualquer lugar de espaço nessa sociedade, nunca precisei de pedir para ninguém fazer nada errado para acobertar uma deficiência funcional minha”.

Vinicius Mendes

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