Após 20 anos de pesquisa, pequi sem espinhos chegará às mesas

Umas das principais características do pequi – e motivo do temor que muitos têm de comê-lo – são os seus espinhos, que obrigam os amantes do fruto a roê-lo com todo o cuiadado.

Mas este é um problema que pode estar com os dias contados. E graças à ajuda de um produtor rural de Mato Grosso.

Após 20 anos de investigação, uma pesquisa realizadas por empresas públicas lançará no mercado, ainda em 2022, três variedades de mudas de pequis sem espinhos.

Segundo a engenheira agrônoma Elainy Pereira, de 65 anos, pesquisadora do projeto, o sentimento é de “missão cumprida”, depois de identificar mais de 20 variedades distintas do fruto com essa nova característica.

“Me sinto feliz por deixar um banco de germoplasma para os netos e bisnetos que quiserem plantar pequi. Me sinto com a minha missão cumprida, mas foi muito trabalhoso”, diz a pesquisadora.

O projeto nasceu da demanda de produtores goianos, há 22 anos, e é uma parceria entre a Emater (A Agência Goiana de Assistência Técnica, Extensão Rural e Pesquisa Agropecuária) de Goiás e a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).

Na época, diante da exigência de uma reserva legal – área coberta por vegetação – que ocupasse 20 % da propriedade rural, os produtores tiveram a ideia de usar a obrigatoriedade a seu favor.

“Principalmente o pequeno que tem cerca de 20 hectares. Se ele tiver que plantar 20% de floresta, já são 4 hectares, e 4 de 20 iam fazer falta. Aí ele pensou: ‘Vou obedecer a lei plantando uma floresta, mas vou ganhar dinheiro’. E começaram a nos mandar demandas”, explica a pesquisadora, que atua na Emater.

No início, os produtores tentaram, mas não conseguiram fazer com que os pés de pequis germinassem. Isso porque havia todo um processo de tratamento das sementes que ainda precisava ser investigado.

“Nós começamos estudar como quebrar a dormência da semente e como fazer a muda para plantar nessa reserva legal”, relembra a pesquisadora.

 

Mudanças nos rumos da investigação

 

Dois anos depois do início do projeto, um produtor rural de Cocalinho (MT) procurou os pesquisadores dizendo que havia um pé de pequi sem espinhos em sua propriedade e ele queria “tirar a raça” dele.

Segundo a pesquisadora, o que aconteceu foi uma recombinação gênica, na qual em algum momento do processo um dos genes variou e saiu sem espinhos.

Para exemplificar, ela comparou o processo com a reprodução humana. “Imagina que o esperma, ao encontrar com o óvulo, tem uma recombinação gênica das duas partes. O mesmo acontece com as plantas”.

Por meio da técnica de clonagem, que objetiva perpetuar as características genéticas em plantas descendentes, os pesquisadores reproduziram a planta e passaram a investigá-la.

 

Trabalho árduo

 

Elainy explicou que o trabalho levou mais de duas décadas para ser concluído justamente pelo comprometimento com os resultados.

“Não podemos simplesmente produzir e vender. Tudo deve estar legalizado e devidamente estudado sobre todos os aspectos. O produtor tem que ter garantias de que o que está comprando é viável para a comercialização”.

Ao longo desse tempo os pesquisadores estudaram a progênie, ou seja, a descendência dessas mudas obtidas em Mato Grosso e todas as suas variantes.

“Dessa planta mãe já obtivemos os filhos dela sem espinhos, desses filhos já tiramos sementes e já temos as netas, que também saíram sem espinhos, mas com características bem diferentes”, explicou.

A partir de uma minuciosa investigação foi feita a catalogação dessas variedades. Seis das mais de 20 identificadas já estão registradas junto ao Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento). A expectativa é lançar três delas ainda em dezembro deste ano.

Elainy conta que o projeto demandou muita dedicação e, às vezes, até os próprios recursos financeiros para continuar.

“Eu estou cansada, mas fiz isso porque sei o quanto é importante esse material, principalmente para o goiano, mas também para todo o Brasil”, desabafou.

Segundo a pesquisadora, a partir de agora será possível industrializar o pequi, que antes não podia ter a polpa ou as castanhas retiradas de forma mecanizada, pois os espinhos iam junto.

O projeto foi liderado por Elainy e o marito, também engenheiro agrônomo, e contou com a ajuda de outros quatro membros.

 

Produção do fruto em MT

 

O viveirista Clodoaldo Maccari, de 50 anos, mora em Gaucha do Norte e planta em sua propriedade mudas de pequi sem espinhos há cerca de 7 anos.

Trabalhando inicialmente com seringueiras e diante da baixa procura pelo produto, decidiu começar a plantar pequis. Ele conseguiu suas sementes de pequi sem espinhos com um indígena do Parque Nacional do Xingu e passou a produzir as mudas enxertadas.

“Você coloca a semente para germinar na areia, depois pega a muda e leva na sacola de plástico e coloca ela no chão – terra. Ela cresce por 6 ou 7 meses e fica mais grossa, aí eu tiro o material genético, que é sem espinhos, para enxertar em uma muda normal”, explicou o viveirista sobre o seu processo.

Ao longo dos anos de produção, Clodoaldo identificou quatro diferentes variedades do fruto em sua propriedade e outras duas em viveiros de colegas para quem vendeu mudas.

“A gente percebe que tem pequi de porte maior, pequi de cor diferente, tem pequi que quando cai no chão e no mesmo dia já abre. Há dois anos estou separando elas para no futuro aumentar o valor comercial”.

Clodoaldo disse que o seu viveiro está credenciado pelo Mapa e atualmente tem cerca de 20 mil porta enxertos com diferentes variedades do fruto com a nova característica. Sua expectativa é comercializar no próximo ano em média 15 mil delas.

O viveirista ainda tem 600 pés de pequi plantados em seu terreno. “Vai dar a primeira florada, não em grande escala, porque tem só 4 anos, mas acredito que vai dar para comercializar o fruto também”.

 

Por; Mídia News