Capivaras podem ajudar na produção de etanol após descoberta de enzimas

Pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, em Campinas (SP), usaram técnicas avançadas, incluindo uma das linhas de luz sincrotron do acelerador de partículas Sirius, para desvendar os segredos do processo digestivo do maior roedor do mundo, que habita desde a região do Pantanal até a bacia Amazônica: a capivara.

Disso saiu uma descoberta publicada nesta quarta-feira, 2, na revista científica Nature Communications. Duas novas famílias de enzimas, envolvidas na digestão das capivaras, podem ser usadas para geração de biocombustíveis e biomateriais. Ou seja, são soluções biotecnológicas encontradas na biodiversidade brasileira.

Capivaras (Hydrochoerus hydrochaeris) são herbívoras, alimentando-se exclusivamente de plantas aquáticas e gramíneas, inclusive cana-de-açúcar. Elas conseguem digerir eficientemente fibras de materiais lignocelulósicos, em particular as do bagaço de cana, e transformá-los em moléculas utilizadas como fonte de energia, como ácidos graxos.

Mas este mecanismo não era totalmente conhecido. Os cientistas perceberam que os simpáticos animais abrigam uma complexa comunidade microbiana em seus intestinos, responsável por degradar os polissacarídeos (carboidratos complexos) vegetais.

A ação destas bactérias constitui um sistema enzimático sem precedentes, perfeito para desconstrução de biomassa. Conhecidas como CAZymes, ou enzimas ativas em carboidratos, elas são proteínas promissoras para aplicações em processos biotecnológicos, como a fabricação de combustíveis e outros materiais a partir de biomassa, ou na indústria de alimentos e bebidas.

Assim, acessar este potencial genético inexplorado pode nos ajudar na transição para uma economia mais sustentável, substituindo produtos de origem fóssil.

A alta resistência da biomassa das plantas, tanto a processos físico-químicos, quanto biológicos, é um dos entraves para sua ampla utilização na indústria. O intestino dos herbívoros é como um biorreator natural no qual os pesquisadores podem se inspirar.

Descobertas

Os pesquisadores do CNPEM descobriram dois novos tipos de CAZymes no trato digestivo das capivaras, sendo “uma nova família de hidrolases glicosídicas com atividade de Beta-galactosidase (nomeada GH173) e um novo módulo de ligação a carboidratos envolvidos no reconhecimento de xilanos (CBM89)”.

A primeira se mostrou particularmente interessante para aplicações relacionadas à área de alimentos, atuando principalmente na metabolização de derivados de leite. Já a segunda é bastante promissora para ser incorporada a plataformas enzimáticas que já vem sendo aperfeiçoadas, com aplicações na produção de combustíveis, bioquímicos, biomateriais e até alimentos.

O trabalho partiu de uma suspeita inicial: por estarem habituadas a consumir cana no território brasileiro, as capivaras teriam incorporado, em seu microbioma intestinal, bactérias com recursos adaptativos especializados para digerir eficientemente este tipo de biomassa.

Para encontrar e mapear os microorganismos, então, os cientistas realizaram uma espécie de censo, com análises integradas multiômicas, incluindo sequenciamento de DNA e RNA e reconstrução metabólica.

Aos poucos, o foco foi sendo reduzido até chegar na escala atômica — com ajuda do Sirius. Assim, foram revelados detalhes inéditos e desconhecidos da composição, estrutura e processos enzimáticos da digestão de fibras vegetais.

A degradação da celulose é feita, principalmente, por bactérias do filo Fibrobacter, enquanto hemiceluloses e pectinas são processadas por um arsenal de CAZymes, identificadas em genomas do filo Bacteroidetes.

 

Por; UOL