Clínicas de diálise enfrentam crise e correm risco de fechar, aponta entidade

Clínicas de diálise no Brasil, conveniadas ao Sistema Único de Saúde (SUS), vivem uma crise financeira e várias correm o risco de encerrar as operações nos próximos meses – o que pode afetar o tratamento de até 140 mil brasileiros. O cenário preocupante foi verificado pela reportagem da CNN, após consultar mais de dez empresários do setor, além da Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante (ABCDT).

Atualmente, o Brasil possui cerca de 800 clínicas de diálise. A maior parte enfrenta problemas financeiros causados pela pressão inflacionária e a escalada do dólar nos últimos meses. De acordo com Marcos Vieira, presidente da ABCDT, o repasse feito pelo Ministério da Saúde não acompanhou o cenário econômico atual, deixando o setor com uma defasagem próxima a 40% nos custos.

Um levantamento feito pela ABCDT aponta que, nos últimos cinco anos, quase 40 clínicas fecharam no país. Outras dezenas optaram por não atender mais pacientes do SUS. E o cenário é compartilhado por grande parte do setor, como apurou a reportagem da CNN, em conjunto com a entidade do segmento.

Ainda segundo a ABCDT, “os aumentos de custos na diálise, na ordem de 39%, envolvem desde despesas maiores com equipes de saúde até aumentos significativos nos preços de equipamentos e insumos importados, por conta da desvalorização do real, e a pressão inflacionária”. Alguns insumos aumentaram quase 800% em 2021, apontaram empresários do setor à CNN.

“Temos aproximadamente 800 clínicas e é um número ainda pequeno, visto que o país possui mais de 5 mil municípios e muitos estão desassistidos, fazendo com que pacientes tenham que se deslocar para cidades vizinhas, ao menos três vezes por semana, para tratar-se. Estamos com muitas clínicas em dificuldades financeiras para continuar prestando os serviços. Após diversas tratativas junto ao governo federal, obtivemos um reajuste de 12,5% na Tabela SUS este ano, valor que ajuda, mas ainda não cobre nem as perdas da inflação”, destacou o presidente da ABCDT, Marcos Vieira.

As clínicas de diálise, entre os diversos procedimentos, realizam a hemodiálise, método no qual uma máquina filtra e limpa o sangue do paciente, realizando parte do trabalho que o rim doente não consegue fazer. O tratamento retira do corpo os resíduos prejudiciais à saúde, como o excesso de sal e de líquidos. E apesar de serem privadas, as unidades de diálise no Brasil atendem majoritariamente pessoas acolhidas pelo SUS, de acordo com a ABCDT.

Diante das dificuldades do setor, empresários de clínica de diálise em Conselheiro Lafayete, Minas Gerais, afirmaram que chegaram ao limite financeiro e que podem encerrar as operações, caso não sejam auxiliados financeiramente. Em carta aberta, obtida pela CNN, os gestores da Clínica Santo Antônio de Doenças Renais divulgaram que pacientes da unidade já precisam ser transferidos para outros estabelecimentos por inviabilidade financeira.

“A Clínica Santo Antônio de doenças renais, apesar de ser uma entidade particular, atende a população da região que tem insuficiência renal crônica, quase, exclusivamente, pelo convênio SUS. Atualmente, são realizadas cerca de 1.900 sessões por mês. No entanto, cada sessão tem o custo de R$ 279,88, mas o repasse do SUS é de apenas R$ 194,20”, diz um trecho do documento.

A reportagem da CNN também conversou com Felipe Mendes, gestor da clínica Gamen, localizada na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. De acordo com ele, a unidade está próxima ao cenário vivido pela clínica MSF de Tratamentos Renais, no Distrito Federal, que chegou “à insolvência” e encerrou as operações no fim de fevereiro.

“Temos a única clínica do estado do Rio de Janeiro que realiza hemodiálise em crianças, ou seja, temos um papel bem importante por aqui. E há muitos anos estamos vivenciando essa defasagem no preço do procedimento, que aqui no Rio de Janeiro chega a 60%, maior que a média nacional. Em 2021, o governo federal fez um reajuste, no entanto, o valor não supre os tantos anos que ficamos sem aumento. É uma bola de neve que vai crescendo, principalmente porque todos os insumos e equipamentos são cotados em dólar”, destacou Felipe Mendes.

Na mesma situação, a Renal Clínica de Goiânia, que existe há 25 anos, está há um ano com dívidas. A clínica, que trata quase 200 pacientes mensalmente, não consegue comprar novas máquinas há pelo menos cinco anos, segundo os gestores do local.

A médica nefrologista Viviane Elizabeth de Oliveira lembra ainda que as clínicas enfrentaram muitas dificuldades durante a pandemia de Covid-19, com os altos reajustes no preço de insumos. Ela destaca que o custo da caixa de luvas mais que dobrou no país desde o início da crise sanitária devido à maior demanda pelo material.

“Somente na minha clínica usamos uma média de 150 a 170 caixas de luvas de procedimento por mês. E com a pandemia aumentamos esse volume. Antes, pagávamos R$ 17 a caixa, depois subiu para R$ 90 no auge da crise sanitária. E hoje, mesmo com a queda nos preços, ainda está em torno de R$ 40”, explicou a médica.

Procurado pela CNN, o Ministério da Saúde afirmou que “não há atrasos no ressarcimento dos procedimentos” e que os centros transplantadores são “ressarcidos mediante a apresentação de produção de procedimentos pelo SUS”. Por fim, o governo federal, por meio da pasta, acrescenta que 15,9 mil transplantes de rim e 355 de rim/pâncreas foram feitos entre 2019 e 2021.

 

Por; CNN Brasil