Justiça condena médica e hospital por erro que fez grávida perder bebê em Cuiabá

A obstetra Caroline Costa Soares Paccola vai pagar uma indenização de R$ 612 mil (mais juros e correção monetária) a uma mulher em Cuiabá/MT que perdeu o bebê na 37ª semana de gravidez, além de ter ficado 48 dias na UTI do Hospital Israelita Albert Einsten, em São Paulo (SP), após um diagnóstico errado. A Femina prestadora de serviços médico/hospitalar dividirá o pagamento com a profissional de medicina.

A decisão é da juíza da 8ª Vara Cível de Cuiabá, Ana Paula da Veiga Carlota Miranda, e foi proferida no último dia 16 de dezembro.

O processo que tramita no Poder Judiciário de Mato Grosso revela como uma única decisão equivocada, aparentemente óbvia mesmo às pessoas leigas, de não realizar um exame de ultrassom numa gestante de 37 semanas que reclama de dores abdominais, muda o destino de toda uma família.

De acordo com os autos, a paciente, que tinha 39 anos na época dos fatos, em 2013, dirigiu-se à clínica Femina, na capital, após orientação de sua obstetra, Caroline Costa Soares Paccola, reclamando de fortes dores abdominais. A médica, ao contrário de solicitar um exame de ultrassom para tentar investigar os motivos das dores abdominais, receitou um medicamento denominado Tramal (um forte analgésico que age no sistema nervoso central, indicado para pacientes com dores graves).

A paciente conta que após a aplicação do Tramal, seu bebê, uma menina, começou a se “contorcer descomunalmente” no útero. “Ao chegar no pronto atendimento, a autora relata ter sido deitada em uma maca e submetida a coleta de amostras de sangue. Como a dor estava expandindo para o braço direito e região da nuca, a ré lhe prescreveu o analgésico Tramal. Nesse momento, sua bebê passou a contorcer-se descomunalmente em seu ventre, mas com a dor aumentando, recebeu doses maiores de Tramal, fazendo com que perdesse a consciência por algumas vezes”, diz trecho do processo.

A paciente acabou recebendo alta sob a justificativa de que estaria acometida de uma gastrite que estaria evoluindo para úlcera, de acordo com a obstetra Caroline Costa Soares Paccola, que recomendou a procura de um especialista. No dia seguinte à consulta, porém, a mulher continuava sentindo fortes dores, tentou tomar seu café da manhã, mas acabou vomitando – e desmaiando em seguida.

Ela retornou à clínica Femina onde a primeira tragédia foi constatada por outro médico – seu bebê não apresentava mais batimentos cardíacos. “Ao retornar na clínica Femina, o médico plantonista que a atendeu não mais conseguiu ouvir os batimentos cardíacos de sua bebê, fato este em seguida confirmado pela ré Caroline Paccola, que compareceu ao local a seu pedido. Realizada ultrassom, foi confirmado que o bebê não tinha mais vida”, revelam os autos.

O calvário da mulher que tinha acabado de perder a única filha, no entanto, estava apenas começando. Ela foi enviada ao centro cirúrgico para a realização de uma cesariana para retirar o bebê morto, sendo posteriormente transferida ao hospital Amecor, onde recebeu diversas transfusões de sangue.

Nos autos, a vítima de imperícia médica relata que seu problema de saúde era, na verdade, uma doença chamada Síndrome de Hellp – uma complicação obstétrica grave, que pode causar a morte tanto da mãe quanto do bebê, e que atinge principalmente o fígado. Nestes casos, a literatura médica recomenda a realização de uma cesariana.

A Síndrome de Hellp acarretou numa hemorragia do fígado da paciente, que também a fez desenvolver pneumonia, sendo necessário a realização de uma traqueostomia para que ela conseguisse respirar. A vítima também teve que ser submetida a uma laparotomia exploradora, procedimento médico onde “abre-se” o abdômen para encontrar a origem de hemorragias internas, por exemplo.

Em razão da evolução do quadro de saúde, a família optou por transferir a vítima ao Hospital Israelita Albert Einsten, em São Paulo, mesmo com o risco de morte no trajeto. Na unidade de saúde particular paulistana, constatou-se que 60% do fígado da paciente já estava necrosado, que também sofreu septicemia – quando bactérias “invadem” a corrente sanguínea, causando infecção generalizada. Ela passou 48 dias na UTI antes de receber alta.

No processo, a vítima lamenta que não pode sequer enterrar sua filha. “Além de ter perdido sua filha Helena, não ter conhecido o rosto da mesma e nem podido velar seu corpo, lhe causou e eternamente lhe causará profunda angústia. Por toda a exposição ao tratamento invasivo de saúde e profunda dor causados pela perda de sua filha, bem como pela perda da única chance de ser mãe, postula o pagamento de indenização por dano moral em valor a ser arbitrado pelo Juízo. Também requer indenização pelos danos estéticos sofridos, especialmente em virtude das cicatrizes deixadas em seu corpo”, diz ela.

Em sua decisão, a juíza Ana Paula da Veiga Carlota Miranda revelou que uma perícia realizada constatou o erro médico, dizendo que um simples ultrassom poderia até mesmo salvar a vida do bebê. A magistrada considera que a vítima experimentou a dor em seu estado mais “puro”.

“No que diz respeito aos danos morais, o caso em discussão envolve-os de forma pura, ou seja, danos que se esgotam na própria lesão à personalidade, na medida em que estão ínsitos nela, pois, não há maior dano do que a perda de um filho ocasionada pelo ato ilícito, verificado pela imperícia, negligência e imprudência do causador do dano”, reconheceu a juíza.

A indenização será composta por R$ 312 mil a título de gastos com internação e cirurgias, R$ 200 mil por danos morais, além de R$ 100 mil por danos estéticos em razão das cicatrizes deixadas pelos procedimentos médicos. A paciente pretende lançar um livro sobre o ocorrido.

 

 

FOLHAMAX