Mulher é resgatada após 32 anos em situação análoga à escravidão na casa de pastor e professora no RN
Uma mulher, que atuava como trabalhadora doméstica, foi resgatada após 32 anos de situação análoga à escravidão na casa de um pastor evangélico da Assembleia de Deus e de uma professora na cidade de Mossoró, na Região Oeste do Rio Grande do Norte.
O resgate foi feito pela Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), do Ministério do Trabalho e Previdência, em parceria com o Ministério Público do Trabalho, Polícia Federal e Defensoria Pública da União, após denúncias anônimas.
De acordo com os órgãos, a vítima, que nunca recebeu salários durante esse período, também foi vítima de violência sexual por 10 anos.
A defesa do pastor Geraldo Braga da Cunha negou as acusações e disse que teve negado os pedidos de acesso integral aos autos do procedimento, “mesmo quando os depoimentos já haviam sido prestados”. Os advogados disseram ainda que “que essa prática degradante jamais foi praticada por nosso cliente, tampouco foi cometido assédio sexual”.
Em nota, a Assembleia de Deus de Mossoró disse que recebeu a informação com surpresa e “deixa bem claro que não comunga em nada com essas condutas denunciadas”. A Assembleia informou ainda que afastou o presbítero preventivamente e abriu procedimento administrativo disciplinar para apurar os fatos.
A operação de resgate que teve o seu resultado divulgado nesta terça-feira (1º), também liberou uma outra mulher que trabalhava em Natal (veja detalhes mais abaixo).
De acordo com o MPT, essa foi a primeira vez que trabalhadoras domésticas em situação análoga à escravidão foram resgatadas no RN. A maioria dos casos envolve trabalhadores vinculados a atividades rurais.
Segundo o Ministério do Trabalho e Previdência, no Rio Grande do Norte 54 trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão entre 2018 e 2021.
32 anos sem direitos
A trabalhadora doméstica que foi resgatada em Mossoró foi morar na residência dos empregadores quando tinha entre 15 e 16 anos – atualmente ela tem 48.
A investigação aponta que ela era responsável por cuidar da casa, fazer limpeza, cozinhar, lavar roupa e cuidar dos 4 filhos do casal, hoje adultos.
“Ela participou da criação dos filhos e já estava na participação da criação dos netos, realizando as atividades de babá, sem remuneração, e sem nenhum outro direito trabalhista”, explicou a procuradora do MPT, Cecília Santos.
Os empregadores eram uma professora e um pastor evangélico, de classe média baixa. Durante quase 10 anos, a trabalhadora também foi vítima de violência sexual pelo empregador.
“A família confessa, mas disse que o relacionamento era consensual. Todos os filhos sabiam que havia essa relação sexual entre o pastor e a empregada. Mas a trabalhadora nega”, contou a procuradora.
De acordo com Marina Sampaio, auditora fiscal do trabalho do Ministério do Trabalho e Previdência, a trabalhadora tinha “alguma noção” de que o trabalho dela estava sendo explorado.
“Toda responsabilidade pelo cuidado da família e da casa era dessa trabalhadora. E o empregador admitiu que já tinha sugerido à família o registro dela, porque sabia que poderia ter problemas”, explicou a auditora.
Por esse motivo, a família chegou a recolher INSS da trabalhadora por um período, o que atesta que havia uma relação de trabalho, segundo a auditora.
“Assim que nós verificamos os primeiros indícios, a gente fez a retirada dessa trabalhadora do local, cessamos a relação de emprego no ato e fizemos todo o procedimento de investigação fiscal”, disse.
“A partir de todos esses dados, todas as entrevistas, depoimentos, inclusive com vizinhos e familiares, foi formada a convicção de que havia o crime de submissão da trabalhadora a trabalho análogo à escravidão”, explicou a auditora.
Crimes
O processo foi encaminhado para a Justiça Federal para apuração do crime de redução a condição análoga de escravidão e também para a Justiça do RN, porque foi constatada a presença de violência sexual.
A vítima será indenizada na esfera da Justiça do Trabalho.
“Vamos seguir na esfera da Justiça do Trabalho buscando essas verbas trabalhistas não recebidas, os últimos 5 anos, porque antes disso prescreve. E, também, indenização por dano moral e dano existencial”, afirmou a procuradora, Cecília Santos.
O MPT tentou acordo durante a operação, mas a família não aceitou. Os cálculos indicaram que a família de Mossoró deve uma quantia de cerca de R$ 88 mil referente às verbas rescisórias dos últimos 5 anos.
Além disso, foi pedido na Justiça uma indenização no valor de R$ 200 mil por danos morais. A família, segundo a procuradora, informou que não poderia arcar com os valores.
Uma outra trabalhadora doméstica foi resgatada em Natal. Ela morava na casa de uma idosa, que vivia sozinha, há cerca de 5 anos e nesse período só gozou férias apenas uma vez.
Segundo o MPT, ela ficava à disposição da empregadora, uma idosa, 24 horas por dia e só tinha folga a cada 15 dias. Pela jornada de trabalho, recebia um salário de R$ 500.
O resgate foi feito no apartamento de classe média onde a idosa, a empregadora, vive na capital potiguar. A trabalhadora foi encontrada mantida sob uma “jornada exaustiva” de trabalho.
Mãe de três filhos, mas que morava sozinha, a idosa era de uma família “abastada”, segundo a procuradora do Ministério Público do Trabalho, Cecília Santos.
Mesmo o apartamento tendo um quarto desocupado, a trabalhadora dormia em um colchão no chão. As roupas eram guardadas dentro de uma mochila que também ficava no chão.
“Era uma jornada exaustiva ela trabalho. O dia todo e à noite também ela ficava à disposição da empregadora. Sempre que precisava dela durante à noite, seja para pegar uma água, ela acordava e atendia na hora”, explicou a auditora fiscal do Ministério do Trabalho, Marina Sampaio.
“Era considerada uma jornada exaustiva, sem descanso no dia a dia, sem o descanso interjornada e sem o descanso aos finais de semana”.
A trabalhadora só folgava uma vez a cada 15 dias, quando ia para casa dos parentes em uma cidade no interior do RN. “A idosa dizia que a trabalhadora era como se fosse alguém da família dela, que elas coabitavam aquele local, mas ao mesmo tempo ela pagava um salário de R$ 500 para a trabalhadora”.