Vítimas da ‘guerra do dendê’: quem são as lideranças quilombolas mortas no conflito por terras no PA

A morte de pelo menos quatro pessoas nos últimos anos no Pará é associada pela Polícia a conflitos de terra envolvendo o cultivo de dendê no nordeste do estado.

Duas das vítimas eram lideranças quilombolas que defendiam o reconhecimento de terras, alvo também do interesse pelos empreendimentos que se instalaram na região. As outras duas eram familiares, também ameaçados.

O interesse de fazendeiros pela venda de terras a empresas e, por outro lado, a luta pelo reconhecimento territorial de quilombolas gera tensão na região, que já dura mais de 20 anos.

No interior do Pará, as plantações de palma, matéria-prima para a produção do óleo de dendê, envolvem acusações de grilagem, ameaças a lideranças locais e até cartório-fantasma.

O setor movimenta um negócio bilionário. Em 2020, o Pará produziu 2,8 milhões de toneladas, segundo dados do governo estadual. Hoje, a tonelada é comercializada por cerca de US$ 1,7 mil, o que dá, na cotação atual do dólar, em torno de R$ 10 mil. Usando como base a produção daquele ano, seriam R$ 28 bilhões.

Em um cenário de fiscalização frouxa, moradores relatam que as fazendas avançam sobre territórios na Amazônia já demarcado, que, em tese, deveriam ser protegidos. O mesmo acontece em outras áreas ainda em fase de reconhecimento, em processos que se arrastam há anos.

Quais são os conflitos?

 

Pará é líder do ranking nacional de conflitos por terra em 2021, com 156 casos, de acordo com o mapeamento pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), em seu levantamento mais recente “Conflitos no Campo Brasil 2021”.

Segundo a CPT, as disputas associadas ao dendê envolvem mais de 750 famílias e ocorrem nas seguintes regiões:

-na cidade de Acará, entre a comunidade Bucaia, do Ramal São Lourenço, com a empresa BBF, antiga Biopalma, atingindo 60 famílias;

-nas cidades de Acará, Tailândia e Tomé-Açu, entre as comunidades quilombolas do Alto Acará e Balsas, com a empresa Agropalma, envolvendo 650 famílias;

-e em Tomé-Açu, entre os indígenas Tembé da TI Turé-Mariquita I e II com a empresa BBF, envolvendo 47 famílias.

Quem são as vítimas assassinadas?

 

Abiair Amaral Gusmão e Josivane Amaral Gusmão

-No dia 7 de novembro de 2012, cinco quilombolas sofreram atentado a tiros no distrito de Quatro Bocas, em Tomé-Açu. Foram Abiair Amaral Gusmão e Josivane Amaral Gusmão. As outras três ficaram feridas.

 

Artêmio Gusmão

-Em 7 de julho de 2014, a liderança Artêmio Gusmão teve o corpo esquartejado a caminho de casa, após assistir à partida entre Brasil e Colômbia, pela Copa do Mundo. Abiair e Josivane, assassinados dois anos antes, eram irmãos dele. Ainda no mesmo mês, um suspeito de envolvimento no caso foi preso.

Nazildo dos Santos Brito

-Já em 14 de abril de 2018, Nazildo dos Santos Brito, também liderança quilombola, foi morto por dois pistoleiros, no ramal da Roda D’água, também a caminho de casa. Segundo a Polícia, ele foi alvejado com cerca de 20 tiros nas costas. Nazildo era presidente da associação quilombola.

-A Polícia Civil apontou como mandante o madeireiro José Telmo Zani, dono da fazenda Rio Negro. Segundo os quilombolas, a propriedade sobrepõe o território reivindicado e a área que a então Biopalma tinha interesse em comprar para plantação de dendê.

-Zani e os acusados de serem os executores, Marcos Vieira e Raimundo dos Santos, foram denunciados pelo Ministério Público do Pará (MPPA), mas ainda aguardam julgamento. Os dois apontados como executores tiveram mandado de prisão preventiva decretada. Marcos Vieira chegou a ser preso, mas Raimundo dos Santos está foragido.

-O g1 ainda não conseguiu contato com a defesa de Zani, Vieira e Raimundo.

Em todos os três episódios, a comunidade quilombola da Amarqualta pede Justiça, pois em nenhum deles houve condenação dos autores dos crimes.

g1 solicitou nota à Secretaria de Estado de Segurança Pública (Segup), questionando que ações são feitas no combate ao conflito por terras na região nordeste do Pará, mas ainda não havia obtido resposta até a publicação desta reportagem.

Cronologia da expansão do dendê no Pará — Foto: Arte/g1
Por; G1